Desbloquear a escrita - Foto: ©Free-Photos Pixabay
Publicado em Maio 25, 2020

Da minha janela… Textos da aula 5 do Workshop Online de Escrita para Blogues

Workshop de Escrita

E, caro leitor, chegamos ao final do I Workshop Online de Escrita para Blogues do Viaje Comigo, com este 5º exercício. Ao longo de cinco semanas, fomos explorando o desbloqueio de escrita, aumentando vocabulário e percebendo quais os temas em que estamos mais à vontade para escrever.

O tema desta semana? “Da minha janela: (…) Todos tinham que ter este início como título e, a seguir aos dois pontos, poderiam escrever o título que mais gostassem.
Sobre o texto: “Vamos escrever sobre o que vêem na vossa janela/rua/jardim/etc. Vão espreitar da janela (da porta, sair por alguns minutos, com o distanciamento permitido, dentro do carro…) e vão passar 15 minutos a anotar tudo o que vêem, ouvem, sentem…”

“Lembrem-se do que escrevemos até aqui. O que sentimos em relação ao que estamos a passar; o que mudaríamos no passado; e o que queremos fazer para mudar o mundo, ou seja, o futuro. E, neste último exercício, apresentamos o que vemos. E essa visão de vários pontos do país, e até do mundo, traz-nos textos para a posteridade. Como nós vemos o hoje, o presente?
Parecerá o texto mais simples de se fazer, bastando observar o que temos à nossa frente e acrescentando pormenores na descrição. Mas, (quase) todos os participantes chegaram à conclusão que provavelmente este foi o maior desafio. Para escrever, precisamos de facto de ter o que chamo de “disponibilidade mental”. Precisamos de estar concentrados, compenetrados e totalmente dedicados ao que estamos a fazer. E observar e escrever pede-nos que estejamos de corpo e alma a fazê-lo.

Foram mais de 100 os interessados neste primeiro workshop do Viaje Comigo que, devido à pandemia, foi gratuito. Vocês foram os heróis que percorreram os cinco desafios. Olhando para trás, para as vossas dificuldades apontadas, todas as semanas, gostaria que vissem o grande caminho que percorreram. Libertaram a vossa escrita, as vossas ideias e somos, todos, pessoas mais “ricas” do que há cinco semanas. Obrigada por se terem juntado a mim! Também para mim isto foi um grande desafio: lançar workshops; totalmente online; e num modelo que desse para que toda a gente o conseguisse fazer. Penso que consegui, mas todos estávamos alinhados e foi fácil fazê-lo com participantes como vocês. A muitos é um até já, uma vez que já houve inscrições para o Nível 2 e para os outros workshops personalizados do Viaje Comigo, e para os outros um até breve.
Bem hajam! E muito sucesso para tod@s!

Escrever em papel - Foto: DariuszSankowski ©Pixabay

Escrever em papel – Foto: DariuszSankowski ©Pixabay

TÍTULOS DOS TEXTOS “DA MINHA JANELA”

1 – Da minha janela: Terra que vi e Terra que vejo, Ana Catarina Santana
2 – Da minha janela: desperto para um novo amanhecer, SJ
3 – Da minha janela: o mundo lá fora à minha espera!, Maria do Céu Saraiva
4 – Da minha janela: não vejo normalidade, Katherina Pereira
5 – Da minha janela: os gatos felizes exploram o seu quintal, Ana Margarida Fernandes
6 – Da minha janela: vejo a vida lá fora e fico curiosa, Liliana Sousa
7 – Da minha janela: vejo almas curadas, Sara A.
8 – Da minha janela: reflexões ao sol, Sandra Yonekura
9 – Da minha janela: vejo pedaços do mundo, Rui Castro
10 – Da minha janela: pena que não seja a de minha casa!, Cidália Alves
11 – Da minha janela: vejo a mudança, Soraia Peixoto
12 – Da minha janela: para o meu interior, as paisagens anti-isolamento, LS
13 – Da minha janela: as almas felizes, Carolina Salgueiro
14 – Da minha janela: vejo o meu mundo, Pedro Rocha
15 – Da minha janela: vou da cidade para o campo, CR
16 – Da minha janela: verde, a cor da Esperança!, Dália Cavaco
17 – Da minha janela: oiço a cidade a voltar ao normal, TG
18 – Da minha janela: um mundo colorido, Marisa Heliodoro
19 – Da minha janela: vejo o mundo à nossa espera!, Vanessa Rodrigues
20 – Da minha janela: entram os meus sons preferidos, Sofia Martins
21 – Da minha janela, ouve-se o cântico das galinhas, IG
22 – Da minha janela: já se ouvem vozes, ZT
23 – Da minha janela: a minha Paz, Adriana Cunha
24 – Da minha janela: a vida, Cláudia Duarte
25 – Da minha janela: vejo o Atlântico e o Pacífico, Pedro Moita
26 – Da minha janela: as nossas janelas internas!, Sandra Antunes

1 – DA MINHA JANELA: TERRA QUE VI E TERRA QUE VEJO

Em tempos, aproximava-me da janela apenas para a limpar e ver como estava o tempo. Para escolher a roupa e sair para a agitação do dia a dia. Nos últimos meses, aprendi a viver através da minha janela. A sentir o mundo lá fora através desta. Em tempo de pandemia, aprendi a amar, a cuidar e a proteger pela janela, a minha e a dos meus.

Hoje, quando olho da minha janela, nem preciso de pensar muito sobre as mudanças, estas são duramente evidentes. Onde vivo, é chamada de cidade dormitório. Saímos cedo para trabalhar e voltamos ao fim do dia para dormir. Nunca vi tantos carros estacionados como agora. Sinónimo de que estamos todos em casa. O número de carros é proporcional à lotação esgotada de janelas. As vizinhas idosas, parecem-me mais cansadas que nunca, o rosto está mais rugoso e conversam agora pelas varandas debotadas pelo sol. Os vitupérios que agora sussurram, já não são sobre as vestimentas curtas e decotadas ou as horas tardias a que as vizinhas chegam. Agora são sobre o que viram na internet e o que ouviram por chamada telefónica. O mercado pacato, habitualmente grande e ruidoso, agora tem uma enorme fila de espera e parece estranhamente pequeno, sufocante e dolorosamente silencioso. Quando nos cruzamos na fila infinita, não estamos com os saltos altos e maquilhagem habitual. Agora, vamos de fato de treino desgastado e de ténis. O cabelo já não está imaculadamente esticado e arranjado, está emaranhado e mal amarrado no topo da cabeça. Não olhamos para o relógio constantemente nem nos cumprimentamos à pressa. Estamos distantes, mas, pela primeira vez, conversamos. Estamos apenas ali, não temos pressa nem ninguém à nossa espera. Conhecemo-nos pelos olhos. Fisicamente, estamos mais afastados que nunca. Sentimentalmente, nunca fomos tão próximos. Remamos todos para o mesmo lado e não vamos abandonar o nosso barco.

Sinto falta do barulho da vida. Das vizinhas que conversam à porta. Das crianças que correm e fogem aos pais. Da agitação do quotidiano. Da rotina, do conhecido e da liberdade. De acordar à pressa, do duche apressado e de me maquilhar no trânsito. De não ter horas suficientes no dia para realizar todos os meus planos. Agora, fico na minha janela a proteger os meus e amá-los por aqui, mas tenho saudades de me afastar desta maldita janela.

Autor: Ana Catarina Santana

2 – DA MINHA JANELA: DESPERTO PARA UM NOVO AMANHECER

A máquina já está ligada. Tiro um café cheio, pego num cigarro e encaminho-me à janela. Uma brisa matinal com cheiro a relva cortada, misturada com o aroma de um café quente, saboreado ao som do chilrear dos pássaros. Ilumina-me. Nem sempre um sol esplendoroso, mas com energia suficiente para despertar a mente e o corpo e assim desafio mais um dia. A olhar para o jardim, limitado por um muro de pedra, não muito alto, avisto as árvores cheias de camélias. Mesmo em frente à minha janela.

Oito da manhã, a senhora da limpeza, baixinha, carregada com os seus pertences, abre o portão, ainda nem tirou a chave da fechadura e já me está a dizer bom dia! O Pedro, por acaso sei o nome, o do bloco um, com o seu ar clássico-casual, cabelo ainda molhado, saí para comprar pão: “Bom dia, Susana!”. Aos poucos, começa o dia. Vizinhos a saírem para passear os seus amigos patudos, alguns deles com passos acelerados, puxados pelas trelas. As crianças mais pequenas a andarem de bicicleta, outras a correr atrás da bola. Vejo a minha vizinha, com a sua roupa de jogging, a sair para mais uma corrida matinal, não falha um dia, desde que parou de fumar e já lá vão seis anos. No regresso quando me vê, trocamos sempre dois dedos de conversa. Recentemente, a minha janela ainda ficou mais interessante. Um grupo de amigos veio cantar os parabéns a uma vizinha, trouxeram tudo, comida, balões e sorrisos. Alegraram o dia de quem inesperadamente os recebeu e sem saberem, também o meu.

Da minha janela encaro o dia de uma forma tranquila. É como dizer bom dia à vida. Cumprimento todos os que passam por mim. Antigamente, irritavam me aqueles empedernidos, que nem um bom dia pronunciavam. Hoje, já não lhes dou importância! Maravilhoso este lugar onde moro, que contrasta com a agitação da cidade, que existe do outro lado do muro. O lugar que nos encoraja todos os dias para fechar a janela e abrir o portão do jardim.

Autor: SJ

3 – DA MINHA JANELA: O MUNDO LÁ FORA À MINHA ESPERA!

Em tempos de pandemia sair à rua é quase um luxo, para alguns como eu, com “estatuto de pessoa de risco”, já para outros uma necessidade premente. Observo a rua, este agora é o meu mundo, algo em suspense, o caos e trânsito caótico desapareceram e fez-se silêncio, lojas fechadas, restaurantes e bares idem, aqui e ali um supermercado, pouco mais que isso! Ao longe som de sirenes. O assunto favorito é o novo vírus que mata pessoa! Mais me parece uma cena à Tarantino.

Da minha janela olho a vida em suspenso, o ritmo é lento, um candongueiro que passa, leva gente, alguns vão para os trabalhos que não podem parar, outros, à procura do sustento para os que ficaram em casa. “É a vida, mamã”- diz a zungueira à procura de vender os seus produtos para alimentar a família. Há dias para andar na rua, hoje, é um deles felizmente, senão levam c’os raios dos fiscais que lhes deitam por terra a mercadoria, com risco de a verem confiscada ou, vandalizada, como ontem.

– Xé! Qu’é isso? Grito. Nem parecem gente! Onde se terá perdido a Humanidade destas pessoas?
O dia apenas começou e duas peixeiras encontram-se à esquina do cruzamento e conversam, não sabem que as oiço: Hum, é como? Estamos a desconseguir – diz uma delas, esse vírus, os casos tão a subir, cabocado, cabocado. Oko!
– Oko, mana, assim mesmo vamos fazer mais como? As crianças têm fome, num tá mesmo fácil, o João ficou sem trabalho, empresa fechou, tô-la dizer, tamo memo a desconseguir.
– Coragem, mirmã, é preciso coragem, fazer mais o quê? E recomeçam a caminhar, em sentidos opostos, uma desce a rua, outra sobe: Pexe, pexe, pexe, pexe…
Apuro tristemente que os contentores do lixo se transformam em refeitórios, cada dia mais gente, de miúdos a graúdos; todos fazem a sua incursão, às vezes até competem com os animais da rua por um pedaço de comida. Ao que a Humanidade chegou! É triste verificar que, o Mundo sacudiu-nos, pediu por socorro, colocou-nos um travão, devido à nossa ganância e nem por isso deixamos de ser os mesmos egoístas.

Nem tudo são tristezas e sorrio, o bom deste lugar é ver os jovens a jogar à bola na rua, agora sem carros, outros ouvem Kuduro e dançam e, entre uma Cuca e outra, assim se vai fazendo a vida ao redor da janela aberta aqui da rua, em tempos de confinamento moderado.
Por mais que a tristeza nos bata à porta, Amanhã é sempre um novo dia. É o Renascer! O Mundo lá fora à minha espera, bate e pulsa ao ritmo tropical e da kizomba, ondulante.

Autor: Maria do Céu Saraiva

4 – DA MINHA JANELA: NÃO VEJO NORMALIDADE

Tenho parado muito para pensar nestes dias e ainda no outro dia comentava com uma colega de trabalho “Jamais pensamos em Dezembro estar na situação que estamos hoje”. E é verdade. A normalidade desapareceu.

Com esta pandemia, acabei por dar mais uso à varanda. Nunca eu passei tanto tempo na varanda como nestes dois meses. Vou para ler, escrever, trabalhar ou simplesmente beber o cafezinho “na minha esplanada”. Tenho aproveitado bem, felizmente. E faz me bem. Aproveitar aqueles minutinhos todos ao sol, recarregando as baterias e deixar o sol beijar nos a pele. Sou felizarda por ter alguns metros quadrados de varanda. Mas o que vejo na rua, não é a normalidade. A cidade está despida, sem movimento, os carros estão dia após dia estacionados. Já não há o borburinho da cidade, as conversas à porta do café, o trânsito, o barulho… Os vizinhos amontoam-se nas suas varandas, tentando aproveitar aqueles metros quadrados de chão sagrado, vamos tentando saber uns dos outros gritando a janela, bebemos as minis com a tal distância de segurança, vamos tentando voltar à normalidade. Mas enfim, já não há a normalidade. Mas e o que é a normalidade? O stress, o contra relógio, a correria. É isso que queremos?
Acredito que no fim desta paragem teremos aprendido a viver com esta nova normalidade. Será que vamos tirar alguma coisa de positivo no fim disto?

Autor: Katherina Pereira

5 – DA MINHA JANELA: OS GATOS FELIZES EXPLORAM O SEU QUINTAL

Do canto da minha janela posso ver dois gatinhos a brincar. Parecem ser mãe e filho, ela muito atenta e ele muito pequenino. Sim, claramente ela é a progenitora e ele o filhote. Estão entrelaçados um no outro, não sei se pelo carinho, se pela brincadeira. Assim vão passando o tempo, numa janela rodeada de muitas flores, onde é possível ouvir o som dos pássaros. Lá ao fundo ouve-se um cão a ladrar. Aqui, neste pequeno espaço, vive-se a plenitude da vida no campo.

A mãe gata, de tez castanha listrada, está numa semi meditação. Tal como eu, está a absorver os pormenores ao seu redor, sempre atenta ao gatinho bebé. Tem os olhos cerrados mas quando ouve o seu filhote miar, estes abrem-se num instante e as orelhas ficam atentas. Imediatamente, ela procura-o com o olhar e só descansa quando o encontra. Ele, por sua vez, é um audaz explorador do quintal. Anda de um lado para o outro, procura perceber tudo o que o rodeia. Cheira as plantas, brinca com as folhas, puxa as fitas protectoras da porta. No entanto, acaba sempre ao pé da mãe. Sempre que pode, ela dá-lhe um banho bem caprichado, para que ele esteja sempre limpinho. Entre as lambidelas que lhe dá a ele, vai aproveitando para se lavar também. E ele aproveita para mamar. Ambos ficam a ganhar nesta relação. De vez em quando passa um pombo e os dois gatinhos vão a segui-lo com o olhar atento. A mãe a achar que vai caçar o almoço, o filhote a achar que encontrou um companheiro de brincadeiras.

Os dois parecem divertidos, não estando preocupados com a vida que está à sua volta. Parecem estar num momento só deles, onde não há interferências de nada nem ninguém. Eu, aqui do lado de dentro da minha janela, neste momento especial em que o mundo se encontra, invejo-lhes a liberdade. Por enquanto, ainda não me posso juntar a eles mas, um dia, irei brincar com eles e também eu poderei cheirar as flores e ouvir os pássaros. Há que enfrentar as temeridades da vida, encarando sempre o futuro com a serenidade de que os gatinhos são exemplo.

Autor: Ana Margarida Fernandes

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