Desbloquear a escrita - Foto: ©Free-Photos Pixabay
Publicado em Maio 25, 2020

Da minha janela… Textos da aula 5 do Workshop Online de Escrita para Blogues

Workshop de Escrita

6 – DA MINHA JANELA: VEJO A VIDA LÀ FORA E FICO CURIOSA

Quis o destino, ou somente o planeamento, que um lampião estivesse mesmo ali, do lado de fora da minha janela, e que a sua luz amarela e quente iluminasse a minha sala, dispensando qualquer luz interior que de certa forma faz-me companhia. Dá-me a tranquilidade e a inspiração da noite, contrastando com a azáfama do dia.

E é de dia que quase tudo acontece. A Via Norte está mesmo aqui. E mesmo em momento de pandemia, é raro ou mesmo inexistente o momento em que nenhum carro passe, para norte ou para sul, deixando na imaginação o destino. Para onde vão? De onde vêm? Passam sobretudo camiões e carrinhas e sinto que devo agradecer-lhes, pois nunca pararam.
Vivo numa rua sem saída, com um grande largo onde eu e os vizinhos preferimos estacionar o carro, para evitar as paredes apertadas da garagem. Neste largo também posso assistir à vida a acontecer. Vejo quem sai. Tento adivinhar para onde vão, se para trabalhar ou para ir às compras (atualmente não restam muito mais opções). Percebo quem são os membros da família, se vão felizes ou zangados. Também observo quem chega, serão meus vizinhos? Ou vêm visitar a família? Sabe bem ouvir as vozes felizes dos reencontros.

Nestes últimos tempos também aparecem muitas motas de food delivery e carrinhas de entregas. Fico aliviada por pensar que não sou a única a ter preguiça de cozinhar!
Grande parte dos vizinhos tem animais de estimação, e adoro ver os cães a passear e a interagir, mas gosto particularmente de ver um vizinho que passeia os gatos, sim, tem 4 gatos e mantêm-se perto do dono tranquilamente sem trela. Acho inédito e muito curioso. Saem pelo menos 2 vezes por dia, desde que não chova. Por alguma razão é um momento que me relaxa. São todos muito gordinhos e parecem felizes por essa liberdade. O dono fala com eles e parece sempre bem-disposto. Sou uma animal lover, acredito no poder do seu amor incondicional.

E é assim, quando olhamos pela nossa janela, que podemos ver muito além dos prédios, da estrada e dos carros, é só querer ver um lado melhor e sonhar. Independentemente da vista, da paisagem, que não é a mais prazerosa, a janela é o vidro entre a minha casa e a vida lá fora.
Autor: Liliana Sousa

7 – DA MINHA JANELA: VEJO ALMAS CURADAS

Da minha janela vejo muito mais do que qualquer vizinho imagina. Enquanto rego as minhas
plantas, gosto de observar tudo o que se passa. Não por ser uma cusca patológica, nada disso.
Apenas me sinto fascinada pelas pessoas e pelos seus costumes.
De manhã, antes de ver a rua em ação, detenho-me a escutar os pássaros e a sua incógnita
comunicação, o entusiasmo deles por um novo dia ter nascido contagia-me. Depois sim, posso ver o jardineiro. Lá está ele, na sua resiliência. Vê-lo ali todos os dias à mesma hora agoira um dia positivo. O que mais gosto neste homem é que mais do que cuidar das plantas ele cuida das pessoas. Atrás do seu ventre proeminente, culpado pela sua bata azul desbotada mal se poder abotoar, habita um coração dócil. E por trás dos seus óculos com a haste direita partida, são óculos do trabalho, diz sempre que alguém repara, estão uns olhos atentos a cada vizinho e às suas angústias veladas. A vizinha do terceiro andar, por exemplo, aquela que no início eu achei que era um homem. Passeia a sua cadelinha castanha e resmungona de hora a hora. O jardineiro conversa com esta mulher sempre que a vê, como se de hora a hora nascessem novos temas fascinantes para conversar. Ele percebe que não é a cadelita quem precisa de vir à rua.

Também repara no senhor do prédio em frente, semblante sério, sempre vestido com fatos
escuros e de bom corte, que caminha com o passo apressado, como se a sua presença fosse
imprescindível em algum lugar e, por isso mesmo, nunca tenha tempo de dizer bom dia. O
jardineiro diz-lhe sempre Um Dia Feliz! Sem resposta. Talvez veja mais além e saiba que uma ferida na alma pode gerar um ser antipático. Além há aquelas duas mulheres que, enquanto fumam o cigarro matinal, trocam impressões, nem sempre positivas, sobre as suas patroas.

Gesticulam como se estivessem a discutir uma com a outra. O jardineiro pára e conversa um
pouco, elas suavizam as expressões e vão mais felizes trabalhar.
O jardineiro que eu observo sabe os segredos por quem ele passa há anos, naquele ritmo
constante e previsível. Diz-me bom dia. Eu retribuo. Também faço parte do seu mundo e ele
do meu. Ambos sabemos como a conversa se vai desenrolar. As suas plantas estão bonitas, diz ele. Lembre-se de as regar sempre, e fale com elas. As plantas precisam de terra, água, carinho e atenção. Como as pessoas, penso eu.
Ele sabe que eu o observo, mas não sabe que da minha janela vejo mais do que um jardim.
Vejo um cuidador de almas.

Autor: Sara A.

8 – DA MINHA JANELA: REFLEXÕES AO SOL

Numa bela manhã de sol, me sento ao terraço envidraçado do meu apartamento, sem deixar de notar o quão sujos e embaçados os vidros estão. Afasto este pensamento e observo alguns vasos de flores que plantei ao longo do tempo. Estamos em meados do outono, o que em minha cidade significa temperatura média de 18 C. As orquídeas em tons de branco, amarelo e rosa seguem impávidas, as rosas do deserto sempre resistentes, as camélias em tons violetas chamam em especial o olhar. Vejo à frente alguns operários numa construção a gritar e uns poucos carros e ônibus cruzando as avenidas. Moro no centro que segue bem menos agitado do que de costume, pois a cidade saiu faz poucos dias da quarentena. O retorno se dá gradualmente, repleto de regras em relação a horários e limitações de transporte público.

Observo uma mulher de cabelos escuros a passear com seu cão, um belo ‘cocker’ preto metendo o nariz em tudo o que pode, com suas longas orelhas varrendo o chão. Algumas pessoas andam pela rua, a grande maioria com a agora inseparável máscara. Nestes novos tempos em que este acessório tornou-se indispensável, noto algumas bem coloridas, com estampas e não as clássicas brancas ou pretas, que por sinal, acho horríveis; ficamos todos com cara de ninja. Reflito que exatamente neste dia estaria desembarcando na longínqua Ásia Central. Iria desfrutar de 22 dias explorando 5 países, alguns cujos nomes mal conhecia, como por exemplo: Turcomenistão, Tajiquistão, que me pareciam tão exóticos como se fosse mergulhar num conto de ‘gênio da lâmpada’! Alias o que me atraiu foi justamente o fato de não serem destinos ‘clássicos’ e terem sido parte da ‘Rota da Seda’. Sinto a já conhecida sensação de incredulidade, revolta e desânimo começar a tomar parte de mim, ao pensar no que supostamente deveria estar desfrutando em contraste à nova realidade.

Embora saiba que é inútil, não consigo evitar de pensar o quão surreal o mundo se tornou e até quando isto irá perdurar…suspiro e me forço a pensar: ‘Não era para ser’, planos adiados e não cancelados! Tento focar no positivo: o fato de estar com saúde, quando tantos estão de luto, de poder trabalhar na medida do possível em home office, e até mesmo de poder sair para o necessário, o que seria antes, uma temeridade…e veja só, posso fazer até mesmo uma caminhada ao sol! Me forço a pensar que aos poucos o mundo vai se readaptando a um novo ‘normal’, enquanto a humanidade se esforça em busca da vacina! Me levanto resoluta e tomo uma decisão: a faxina de hoje será iniciada com a limpeza dos vidros, a começar pelos do terraço!

Autor: Sandra Yonekura

9 – DA MINHA JANELA: VEJO PEDAÇOS DO MUNDO

As minhas janelas são os meus olhos. Dos seus dois metros, consigo ver tudo. Tudo o que é e tudo o que não é. Tanto assisto ao espetáculo do sol a pôr-se diante de mim, como posso imaginar a magnificência do amanhecer que ocorre nas traseiras da casa. Tanto ouço o som das ondas do mar a rebentar com estrondo, como idealizo o mar na minha frente e sinto o perfume da maresia. Da minha janela, vejo dois mundos: o real e o irreal.

Passava pouco das 19h00. Observava, a partir da sala, o que sucedia lá fora. Às tantas, dei por mim focado no infinito, num daqueles momentos em que os pensamentos nos levam para outras paragens. Mas o constante e já irritante barulho vindo da casa em construção, a poucos metros de distância, fez-me regressar ao presente. Saí e espreitei. Entre tijolos, fios de prumo, cansadas betoneiras e outro material de construção, havia alguém. O alguém do costume. De cabelo grisalho, com boné descaído e t-shirt larga, não aparentava sinais de fadiga, apesar de todos os dias (literalmente) meter mãos à obra.
Subitamente, um outro ruído me despertou. Olhei em volta e detetei o foco da poluição sonora: dois homens e dois carros. Pareciam preparar-se para um ‘picanço’. Junto a uma versão tuning de um Golf cinzento, segurava-se de pé um homem na casa dos 30 anos, lampinho, calças rasgadas, chapéu de cowboy e olhar ufano. O amarelo berrante da sua camisola contrastava com o tom escuro da pele. Quanto ao ‘adversário’, tinha aparência nórdica, barba farta e vestia fato e gravata. O seu rosto sério e carregado contrariava a leveza das pequenas All Star que calçava. Neste momento de tensão, encostava os seus mais de 40 anos de vivências neste mundo a uma clássica… Renault 4L.

Esbugalhei os olhos. Vi-os entrar para as suas ‘máquinas’. Os constantes aceleramentos, como que a aguardar o tiro de partida, empestaram o ar de uma poeira tal que quase me fazia tossir. A adrenalina subia em mim, a aguardar a próxima cena. Ainda os vi encarar-se, numa típica imagem de filme! De repente… puf! Tudo mudou. Tudo ficou escuro. Nada se via. Nada se ouvia. Percebi, então, que o vizinho tinha desligado a televisão!
Amanhã, à mesma hora, talvez possa continuar a assistir, empedernido, à série. Ou será que outro episódio me espera? Acredito nesta versão. Os dias nunca são iguais. Nós nunca estamos na mesma frequência. Por isso, a conjugação de ambos nunca nos vai oferecer o mesmo resultado. Além disso, este bucólico nada das aldeias está tão cheio de tudo!

Autor: Rui Castro

10 – DA MINHA JANELA: PENA QUE NÃO SEJA A DE MINHA CASA!

Da minha janela vejo o sol nascer. Pena que não seja a janela da minha casa. Não poderei dizer que um dia será minha, nem a janela nem a casa. Contudo, é o meu lar, o meu porto seguro. É desta janela que ouço o galo cantar, o silêncio dos que dormem e a noite chegar.

Da minha janela, vejo os quintais dos vizinhos, o da Milita e do Mário e o da D. Luísa. A Milita gosta muito de flores, dedica muitos dias à jardinagem. Planta aqui, muda vaso ali e sempre a falar com o Toni, o papagaio. Por vezes, o raio do pássaro irrita-me com a repetição do seu, “olá”, naquele timbre de boneco de feira. Enquanto, Milita anda às voltas coma as petúnias, sardinheiras e as orquídeas, Mário, o marido, experimenta o novo brinquedo, um drone. De comando na mão vai às apalpadelas, manejando o telecomando. Ora o drone afocinha, quase a estatelar-se no chão ora anda no ar a cambalear como se entrasse num poço de ar. Depois de algum tempo, lá consegue um voo estabilizado e o drone sobe até ao primeiro andar. O marido da Milita é uma figura carismática, barba branca, alto, olhos claros e muito low profile.

D. Luísa, vizinha da casa amarela, que pega com o quintal da Milita, levanta-se muito cedo. Uma mulher dos seus 60 anos, muito bonita, corpo esguio e jovial. Ficou viúva muito nova. Tem por hábito, ainda em camisa de dormir, cabelo desalinhado, abrir as portas às galinhas, patos e também aos cães. Estes ladram em grande algazarra à sua volta, é hora de comer. Luísa é muito dedicada à terra e aos animais. Da minha janela, sinto todas as manhãs o som da vida, o canto dos pássaros escondidos nos ramos da laranjeira, do limoeiro, outros pousados nos telhados ainda húmidos da noite. Os melros, as rolas aproveitam para rebuscar alguns restos de comida que ficam pelos quintais, há sempre umas migalhas esquecidas pelo chão. Ouço o trepar da padeira no paralelo desordenado, vai deixando o pão, porta a porta.

E, agora algo mudou! Eu, já não desço as escadas de mármore a resmungar pelo atraso da hora, mas para ir buscar o pão. Não abro os portões verdes da garagem e, já no carro em andamento vejo o meu pai pelo retrovisor, a fechar os portões. Lá fora tudo mudou e da minha janela já não vejo o senhor Carlos, vizinho da Milita, sair na sua vespa cinzenta. Desce a rua em contramão para encurtar caminho. Não ouço os chinelos o meu vizinho a raspar a tijoleira do quintal, de robe e meias adidas, estremunhado, tirar o carro à esposa. A minha janela não mudou, mas mudou o mundo e nós com ele.
Autor: Cidália Alves

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