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Publicado em Maio 11, 2020

Falemos de comida… textos da aula 3 do Workshop Online de Escrita para Blogues

Workshop de Escrita

16 – O AMOR DE MÃE EM FORMA DE PASTEL

Se há receita que a minha mãe faz de forma divinal são os seus pasteis de bacalhau. Há algo que os distingue, sei lá, talvez o sabor, a textura ou até mesmo o cheiro que invade a cozinha. Deve ser isso!!!

Este fascínio que adquiri pelos pasteis de bacalhau da minha mãe, não veio da infância, não me recordo de salivar por eles em criança. Foi algo que se destacou já na minha idade adulta, há relativamente poucos anos até. Este apreço também é partilhado pelo meu pai, quando pedimos à minha mãe para os fazer, ela já sabe que tem de ser uma dose generosa, pois se não fosse algum pudor social, comíamos somente os pasteis, sem acompanhamento, sem nada, somente a aprecia-los a cada dentada, num slow motion de sentidos e emoções. Sentidos esses que são despertados mal o bacalhau começa a cozer, seguido dos restantes ingredientes e finalizando com o namoro das colheres a molda-los, até à sua fritura. Enchemos o peito com o aroma que vem da cozinha, solta-se um suspiro, estamos prontíssimos para o repasto. A primeira dentada fica sempre na memória, outro suspiro, a dança entre o bacalhau e a batata está sincronizada, como se de uma valsa se tratasse, flui, portanto, o tempero está no ponto e os pedacinhos de cebola também, estão PERFEITOS, como sempre! Depois de haurir com orgulho a barranhoa (expressão alentejana para definir taça) de pasteis, em tom de brincadeira, há uma saudável competição sobre quem ganhou a contagem de ingestão dos mesmos. Que brutos que fomos, mencionamos com o prazer dilatado na barriga.

Sempre que como outros pasteis de bacalhau, num restaurante, em casa de alguém, nunca é a mesma coisa, há algo que falta, talvez o carinho e o orgulho com que a minha mãe os faz e que transparece até nós. A suavidade daquela primeira trinca não é a mesma, falta o amor da minha mãe.

Autor: CR

17 – UM JANTAR QUE NOS ENCHEU OS SENTIDOS

Sou uma privilegiada no que toca à comida da mãe. Sim, eu sei que que a comida da nossa mãe é sempre a melhor, mas a da minha mãe foi sempre a melhor mesmo para os filhos das mães dos meus amigos! Um convite meu, para jantar em minha casa, com “catering” da minha mãe, tem confirmação na hora.

Naquele dia, a temática do jantar era uma prova cega de vinhos. Cada um levava duas garrafas, de vinho velho, que iríamos provando ao longo da noite e a rainha do jantar ia ser perdiz à “Convento de alcântara” … isto quer dizer que a minha mãe ia confecionar uma das suas especialidades, se bem que ela não consegue repetir receitas já que a sua criatividade depende sempre da inspiração do dia. A receita diz que as perdizes têm que ficar num banho de Vinho do Porto, durante três dias, e sejam recheadas com trufas negras e Patê de Fígado. Só de saber isto já nos cresce água na boca!
Com a fama que a minha mãe já conquistou, e justa, naquele dia já íamos à espera do melhor. Aliás, o objetivo principal – a prova de vinhos – passou para figurante numa cena em que a protagonista iria ser a perdiz, ou a minha mãe!
Primeiro veio o cheiro e logo de seguida enchemos os olhos com a suculência e o brilho da sua cor castanho caramelizado pegajoso, foi um verdadeiro arroubo aos nossos sentidos.

Servimos, começámos a comer e fez-se um silêncio que não incomodou, acho até que ninguém notou. Viajámos para outros céus, esquecemos quem estava e demorámo-nos nos sabores que nos subiam pelos sentidos. O cheiro era uma melodia com vários acordes que não nos deixavam espaço para mais nada, a nossa capacidade esgotou-se naquele apreciar que ainda hoje perdura nas nossas mentes.
Não sei era o sabor, se o cheiro, se a textura. Todos juntos fizeram uma orquestra digna dos melhores palcos do mundo.
Há momentos que se conjugam num raio de tempo e que dificilmente se repetem, aquele foi um deles. Os ingredientes da noite foram a confeção, o paladar apurado os sentidos alerta e a companhia. Naquele dia o tempo parou!

Autor: Sofia Martins

18 – AS MELHORES PANQUECAS DE AMESTERDÃO!

No nosso fim de semana low-cost em Amesterdão, devemos ter ido em quase todas as refeições ao Pancakes Amsterdam, incluindo lanches. Há tantos espalhados pela cidade, e tanto por onde escolher! E de cada vez que entrávamos, vinha-nos aquele cheiro tão familiar a simples panquecas, como aquelas que podemos fazer em casa e comer entre amigos, sem complicações, como um porto seguro onde nos refugiávamos do rebuliço premente da cidade.

Não seria gastronomia de alto nível, mas se o mais importante da viagem fosse comer, tínhamos ficado por França. Devo confessar que as panquecas holandesas são especiais. Uma aparentemente simples mistura de massa e recheio que vai assim directamente à frigideira, num caos que se estranha antes de se entranhar. Um resultado tosco que dá apenas mais ou menos vontade de fotografar. E no fundo, terá sido por isso que abusámos. Porque havia um sentimento de conforto quando nos sentávamos e nos deixávamos rodear pelo cheiro da massa e do recheio, feitos quase à nossa frente, numa mistura de cozinha e balcão. As panquecas eram toscas, quase feias, eram sim. Mas também deliciosas, e deixavam a sensação de poderem ter sido feitas na nossa cozinha.

No Pancakes Amesterdam Aan’t IJ, um pequeno quiosque encravado nas traseiras da Centraal Station, entre o lago IJ, o terminal de autocarros e o terminal fluvial, foi onde fomos mais felizes em Amesterdão. Onde descobrimos o nosso porto seguro. Sentados ali, a ver o pôr-do-sol laranja a refletir sobre o EYE e projectar sobre o IJ, foi como um quinau no rebuliço da cidade. Ali, rodeados pelo cheiro das panquecas doces (hum, aquele cheiro delicioso do Nutella quente que só faz mal…) e do chá de pedaços de gengibre e limão que nos aquecia a garganta depois de um dia frio a andar, apreciámos aquela correria fluvial como uma obra de arte viva, da qual éramos meros espectadores.
Como se fosse um condensado daquela cidade frenética que que não dormia, e que nos deixou tanto por ver e com tanta vontade de voltar!

Autor: TG

19 – A COMIDA E A MEMÓRIA

Todos nós tínhamos uma vida antes da pandemia COVID-19, algumas coisas estão agora suspensas, não sabemos quando tudo ficará melhor, mas ao retomarmos a nossa vida muitas coisas serão diferentes. Por exemplo uma simples ida a um restaurante, à casa da família, de amigos não irá ser igual, antes do isolamento social marcávamos um jantar ou um almoço e era tão normal que provavelmente nunca pensámos que a qualquer momento poderia ser o último e muitas vezes não dávamos a devida importância ao momento, que por enquanto é impossível acontecer.

Eu adoro cozinhar, inspirar-me em receitas que existem e fazer alterações para dar um toque pessoal, cozinhar é libertador, é um momento de paz. A cor dos alimentos e a sua qualidade, os cheiros das especiarias que utilizo e que adoro, por exemplo, os orégãos, caril, manjericão dão ao prato um sabor divinal, mágico. Lembro-me de em criança ficar a observar a minha mãe, a minha bisavó e as minhas avós a cozinharem e ter a curiosidade de querer saber o porquê de cada coisa. Em adolescente, era eu que cozinhava para elas, e era muito importante para mim as suas opiniões. Por exemplo quando fazia uma sobremesa nova gostava de partilhar com a minha família e quando recebia críticas, esforçava-me para quando a repetisse ficar ainda melhor. O nosso país tem uma gastronomia incrível, gosto imenso de, quando visito um lugar novo ir a um restaurante para conhecer a comida típica de cada região. A sopa da pedra, bacalhau com migas, o peixe, o pampilho, o arroz doce são alguns dos muitos exemplos de pratos e sobremesas típicas do nosso país que eu gosto. O que me vem à memória quando penso em comida é os jantares em casa da minha mãe com a família toda reunida, a comida, o conforto de estarmos todos juntos, e os maravilhosos pratos que a minha mãe faz, com os seus segredos, claro.

Todas as nossas vivências e vicissitudes enriquecem a nossa vida, todas as experiências contribuem para aquilo que somos no presente. As memórias, os cheiros, a comida que tanto amamos alegra-nos sempre a memória e o coração.

Autor: Marisa Heliodoro

20 – SOPA DE CANELA NAS ILHAS DAS ESPECIARIAS

Há viagens que marcam uma vida, lugares que se destacam numa viagem e comidas que nos transportam num minuto através dos céus e dos oceanos. A sopa de canela da mama Dilla naquele final de setembro, foi a cereja no topo do bolo nos dois meses de prazeres e vicissitudes intermináveis da viagem à Indonésia. Foi nos últimos dias nas Molucas, o ponto mais oriental do périplo, onde a aventura se revelou mais intensa. Das viagens em ojek (taxi-moto) na ilha de Ambon (quem é que se lembra do Pisang ambon, o licor tão popular nos anos 80?) com a mochila às costas à erupção do vulcão Gamalama em Ternate.

Mas foram os dias em Banda, onde uma avaria no barco de acesso significou quase dois dias para chegar (e onde os ventos mais ou menos fortes me fizeram ganhar um último dia, já que o barco de saída também foi adiado por 24 horas…) que deixaram as melhores recordações. A chegada debaixo do luar mais fantástico deste mundo à ilha de Bandaneira, a escalada ao vulcão de Gunung Api, os pomares de canela e noz moscada e o almoço comunitário em Banda Besar, o acolhimento em Run (a ilha que os britânicos trocaram com os holandeses por Manhattan, no século XVII), as praias desertas de Nailakka, a pesca e o forte em Ay, e o genial snorkelling com as tartarugas e a queda vertical mais abrupta que já vi em Hatta, tudo se conjugou para transformar aqueles cinco dias no arquipélago nos mais memoráveis.

O jantar daquela última noite, na esplanada do hotel Cilu bintang (uma antiga mansão colonial holandesa), depois do karaoke do seu dono, Abba (um nome comum no leste da Indonésia) começou com a tal sopa. Muito simples, um caldo com cenoura, batata e verduras cortadas em pedaços. Mais uma noz moscada e meia, uns dez cravos de cheiro e um pau de canela gigante… Só produtos locais, tudo fresquíssimo porque recém colhido, e delicioso. E com enorme significado histórico, numa das ilhas que deram ao mundo as especiarias e que os portugueses foram os primeiros ocidentais a visitar em 1511.

Autor: Pedro Moita

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