11 – PALADAR, A QUANTO OBRIGAS!
Mais um dia e chegamos ao fim de semana, ainda bem que podemos escolher e o serviço de entregas chega certinho à hora marcada e, acaba, pelo menos por dois dias, a tortura da cozinha! Tortura? – perguntam vocês e muito bem. Sim, se para uns é um modo de vida, profissão, um hobby, seja o nome que lhe quiserem dar, para mim é tortura! E até nem me importo de cozinhar. Mas espera lá , disseste tortura e agora nem te importas de cozinhar?! Troca isso por miúdos.
Ok, é assim: realmente não me importo de cozinhar desde que saiba o que fazer, se sou preguiçosa, se calhar sim. Mas ter que pensar o que cozinhar todos os dias parece tarefa hercúlea; pilotar o fogão duas vezes por dia, por 30 dias, multiplicados por anos, Meu Deus, a mim deixa-me zonza, confesso.
Não sou vegetariana, nem nada que o pareça, mas não gosto de carne vermelha, no entanto não desdenho uma lasanha à moda napolitana com o belo ragú. A vivência em Nápoles trouxe-me outros sabores, mesmo aqueles que desdenhava na infância agora são parte integrante e quando não sei que fazer a eles recorro. As pastas andam de braço dado e são a minha salvação: pasta al cavolfiori, pasta e patate, pasta alla zuca, enfim pasta e um sem fim de combinações com legumes e leguminosas.
Mas podia lá esquecer o nosso bacalhau? Faço-o de muitas formas e feitios e nunca desprezo um arroz de garoupa ou um pargo bem assado. Por acaso já provaram o caldo de peixe à moda de Luanda? Com um cheirinho de óleo de palma, peixe grosso e peixe seco, batata doce e mandioca, um toque picante, sabe bem a todas as horas e ainda tem a missão de nos salvar de uma noitada bem regada!
Mais prazer me dá fazer doces: o “tradicional” bolo mármore, o pudim flã e a mousse de chocolate, assim num estalar de dedos. Mas o que mais gosto e se pudesse, era mesmo só Pão! Ai que bem que sabe um pãozinho quentinho com manteiga!
Autor: Maria Saraiva
12 – A COMIDA QUE NOS UNE
Sou uma algarvia orgulhosa. Tenho orgulho nas nossas praias, na nossa serra, na nossa história, na nossa gente. E na nossa comida. Nós, portugueses, temos muito de que nos orgulhar e no que toca a gastronomia estamos, sem dúvida, no topo. Desde cozidos a bacalhau, passando por alheiras e outros enchidos, migas com carne à alentejana, isto para não falar dos inúmeros e deliciosos doces… Podia passar horas a citar pratos nacionais de deixar água na boca! Mas… como algarvia que sou, para mim há um prato muito simples que se sobrepõe aos restantes: peixe grelhado! Quem resiste a uma sardinha acabada de sair da brasa com uma crosta de sal sobre a pele a estalar? Bem gordinha, de polpas brancas e carnudas, em cima duma fatia de pão caseiro ensopado pelo molho? Hmmm!
Peixe grelhado sabe a casa. Sabe a longos almoços com a família e amigos, após uma manhã de praia. O meu pai no grelhador a mostrar o que vale com as cavalas, sardinhas e carapaus, e nós na cozinha, a ajudarmos com os acompa-nhamentos e sobremesas. O aroma inconfundível invade gradualmente o alpendre onde depois nos sentamos, ora a partilhar histórias e gargalhadas, ora a charingar-nos à vez, e num ápice já nos estamos a deleitar com aquele repasto divinal. O que já era bom fica ainda melhor assim que chega a salada à montanheira: um amor a quatro numa travessa, quando ao tomate maduro e à cebola picada juntamos pimento assado e pepino. E claro, os orégãos atrevidos a darem o ar de sua graça! E xarém? Sabe o que é? Se não conhecem, sugiro que procurem e provem 😉 Regamos tudo a azeite e vinho enquanto a conversa flui, a tarde passa e o sol desce cunctatório sobre a faixa de ria que se vê lá ao fundo, numa fresta entre as casas coloridas.
Posso dizer que a nós, família, é o peixe que nos une. Une-nos à mesa, pro-porciona-nos tardes infindáveis de boa-disposição e descontração. É o que nos junta em fins de semana ou férias em que, após meses separados, finalmente nos reencontramos no sítio de sempre, naquele alpendre, debaixo daquele sol e a olhar para aquela ria, na terra a que chamo casa.
Autor: Cláudia Duarte
13 – QUANDO O AMOR É SAZONAL E COME-SE À COLHER
Não foram poucas as vezes em que me sentei sozinha nas mesas altas com vista para os azulejos coloridos dos edifícios da Rua do Rosário. Nem a fila tímida logo à chegada, que se foi multiplicando ao longo dos anos, conseguiu demover a minha vontade de esperar o tempo que fosse preciso para me sentar num dos bancos altos com vista para um Porto muitas vezes cinzento ou na mesa comunitária central, a preferida de pequenos grupos de amigos ou de viajantes de todo mundo. Sempre que a Lili chega à mesa, sorridente, a pergunta repete-se: “vai ser a malga de arroz ou queres saber qual é o especial do dia?” Num misto de felicidade e angústia, penso, sorrio, volto a pensar, respondo, retifico. Nunca sou capaz de escolher.
Lembro-me bem da primeira vez que lá fui com a Sofia. Um sítio acolhedor, cujos tons neutros e a decoração simples denunciam um estilo nórdico moderado. Plantas e mesas em madeira ocupam o espaço pequeno, forrado a livros e garrafas de vinho, evocando um certo hedonismo que se explica, sobretudo, por uma comida de conforto experimental que não precisa da carne nem do peixe para nos saciar a alma e os sentidos. Enquanto conversávamos na mesa central, assistíamos a um desfile de combinações improváveis expostas na cozinha aberta, até a Lili me trazer uma malga recheada de arroz integral de Montemor-o-Novo, que carinhosamente abraçava uns suculentos cogumelos salteados, coentros frescos, amendoim tostado e um ovo estrelado biológico. Para rematar, a acidez do kimchi caseiro, feito a partir de couve coração, e a doçura de uma redução de soja. O unami estava todo lá, o meu coração também.
No Época não há espaço para vicissitudes. Não há pretensões de querer substituir os panados com arroz de tomate da casa dos avós. Não há lugar para a espetacularidade da gastronomia que atende à arte do empratamento ou que se rege de etiquetas. Não há constrangimento nas refeições solitárias, muito pelo contrário. A incapacidade de partilhar com todos os que me rodeiam o meu amor por este lugar trouxe-me, de certa forma, uma felicidade egoísta que me enche o estômago e o coração. Foi no Época que percebi que a comida de conforto não tem de ser sempre fast, que a proteína não tem de ser sempre carne, que o amor não chega sempre sob a forma de abraços. Chega, muitas vezes, dentro de uma malga adocicada, crocante, nutritiva e simplesmente reconfortante.
Autor: IG
14 – O MAL QUE FAZIA PELO BEM QUE SABIA!… MEMÓRIAS GASTRONÓMICAS
Falar da comida que mais gosto é sopa aquecida em banho-maria. Transmontana de berço, nascida e criada na cozinha nortenha, nunca fui bom garfo. Num desbravar de memórias gastronómicas, o que ainda hoje me faz ougar o pensamento, a bola de trigo com azeite e açúcar! O mal que me fazia, mas que bem me sabia!
Dinumeras são as lembranças das férias passadas em casa dos meus avós maternos! Tronco. Uma aldeia no concelho de Chaves. Abundantes as tradições, uma delas, cozer o pão no forno do povo (forno comunitário). Na adega, amassava-se a farinha de centeio era onde estava a masseira. Móvel de fabrico tosco em forma de trapézio com quatro pernas. Adorava ver a minha avó andar às voltas com a massa, batia, enrolava, metia-lhe os punhos como se a quisesse esventrar. Gestos acompanhados de orações. Ela toda branca de tanta farinha esvoaçar, tão nítida a imagem da minha avó! Esguia, sorridente com o seu corucho na nuca. Para mim um pouco de trigo do centeio não gostava. Bem batida, enrolada e leveda de vinte e quatro horas, dividia-se em bolas e levava a cruz a abençoar. O trigo marcava-se com uma palha, das sobras enrolavam-se pequenas bolas.
O lugar onde estava o forno era escuro, apenas uma pequena lâmpada cortava o breu. Cheirava a cinzas e lenha queimada. Após aquecido encostam-se as brasas a um canto, limpa-se a superfície, coloca-se aí o pão e a porta de ferro é trancada. A espera interminável, assim a sentia. Horas passadas, chega a jiga com as bolas embrulhadas nos mantões. O perfume do pão quente enchia-me os pulmões, mas eu só pensava na minha bola. Não lhe podia tocar com as minhas mãos delicadas de menina da cidade, jamais aguentariam tal ardor. A Ti Dores, abria ao meio, regava de azeite e espalhava o açúcar por cima. O aroma do azeite quente misturado com o açúcar fumegava e inebriava-me as narinas. Os ingredientes fundiam-se num paladar a azeitonas e caramelo. Que bem que sabia! Por momentos o mundo parava, só o pão quente que me queimava a boca importava.
Autor: Cidália Alves
15 – ALTERNÂNCIA DE SABORES
Quando penso em comida, a primeira coisa que me recordo é de todas as lembranças que tinha quando era mais nova, desde os almoços em família, aos quais ia contrariada, até aos restaurantes de diferentes culturas a que eu adorava ir.
Em termos de piores experiências de comida—o que são poucas— creio que a a refeição que foi um verdadeiro desafio para mim foi uma massa com terra e bifes de porco (que eu não como, já que sou não como esse tipo de carne). Este acontecimento deu-se no meu primeiro acampamento dos Escoteiros, no qual foi a primeira vez em que dormi ao relento, onde tudo à minha volta era completamente novo. Como nunca tinha cozinhado, a minha única tarefa era segurar o taxo em cima da fogueira, porém, spoilers à parte, não fui muito bem sucedida. Supostamente, o jantar ia ser massa com bifes de porco, mas na minha incompetência consegui deixar cair a panela a ferver para cima da fogueira, fazendo com que a massa ficasse com terra e cinzas, tendo como consequências o facto de sermos obrigados a comer batatas fritas de pacote e, no meu caso, com alface. Ainda me lembro das reações dos meus colegas com ar de repúdio a olharem para mim, comparando me a uma quimera. Em adição, o facto de ter feito uma caminhada nesse dia de 12 km fez com que a minha fome aumentasse e, quando me colocaram aquele prato à frente foi como se ouvisse o meu estômago a sussurra por mais. Em oposição, como os meus chefes não sabiam que eu não como carne de porco, no momento em que lhes disse, quando o jantar já estavam pronto, a reação deles foi de choque tal como se tivessem vontade de me mandar em embora e, simultaneamente, com o pensamento de que eu não ia durar muito tempo nos Escoteiros.
Por outro lado, a minha comida preferida é, sem dúvida, massa com ovo estrelado. Talvez por ser algo tão simples e, simultaneamente, com um sabor único. Assim, o molho do ovo misturado na massa torna esta refeição excecional. Para além disso, considero que gosto tanto desta comida por ela trazer consigo recordações da minha infância, no qual enfatiza o facto de o presente ser a rememoração de lembranças felizes.
Em conclusão, acredito que a nossa alimentação é crucial na nossa vida, uma vez que é importante reconhecer sabores diferentes em vários pratos e, ao mesmo tempo, ser capaz de entender as peculiaridades de cada manjar. Desta forma, é realçado que toda a comida nasceu para ser amada e respeitada.
Autor: Carolina Salgueiro