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Publicado em Maio 11, 2020

Falemos de comida… textos da aula 3 do Workshop Online de Escrita para Blogues

Workshop de Escrita

6 – AMOR: O INGREDIENTE MÁGICO!

Já se aperceberam que falar sobre comida é falar sobre cada um de nós? Que é deixar a nossa alma absorver sensações e materializá-las em palavras? É este o meu desiderato para as próximas linhas deste texto.
Ponto 1: para mim, comer funde-se com o sentir! Não é por acaso que o ato de comer é dos poucos capazes de estimular e ser estimulado por todos os nossos sentidos, dos mais óbvios aos mais recônditos. Ponto 2: se tivesse de escolher um prato favorito, seria mais fiel a mim próprio se elegesse uma opção com picante. Ou então com molho de tomate… picante, de preferência! Sentir aquele ardor típico de quando esse ingrediente toca na língua e dispersa o seu efeito por todos os órgãos pode tornar-se num momento mágico. Pronto, tenho de o admitir: às vezes, faço sandes só de molho picante!

Recordo-me do paladar incomparável de algumas refeições caribenhas, pela combinação explosiva de cores e sabores oferecida pelos condimentos. Para lá desse exotismo, sou fã de pratos simples. Uma salada é capaz de despertar incríveis sensações! Desde o intenso aroma da salsa à distinta crocância da couve roxa, a combinação de legumes e vegetais pode fornecer uma impressão cromática muito forte, criando uma simbiose perfeita. Ingerir essa paleta de cores e texturas, atentar no som da mastigação dos alimentos e sentir o perfume fresco que deriva da particularidade de cada um é puro deleite.

Um ingrediente, apenas, pode fazer a diferença. É verdade que o tal picante me ‘alimenta’, mas nada suplanta uma outra substância: o amor. Sinto-o sempre que a minha filha se aproxima de mim e, com um sorriso enternecedor, estende a mão e diz, muito feliz: “Para ti, com muito amor!”. Sejam bolachas de coco ou uma focaccia acabada de sair do forno, o resultado é único e divinal, pois foram ‘fabricadas’ com o ingrediente mais natural à face da Terra e que tão presente está em ambas – a filha e a eterna namorada. Esse amor sacia! E transformar esse amor genuíno em mais amor é um ato de verdadeiro amor!

Autor: Rui Castro

7 – O SABOR A FÉRIAS

Adoro comer! Ponto! E nota-se pelos quilinhos a mais. Sempre fui bom garfo. Já os meus pais contam que em pequena, quando saíam comigo depois de jantar em casa, eu aceitava comer onde me oferecessem. Pelos vistos também não tinha vergonha! Já disse que gosto de comer? Juntar este prazer ao prazer das viagens, então é espetacular.

Uma das coisas boas que as viagens nos trazem é podermos provar in loco comidas típicas e, algumas vezes, diferentes das nossas. Das melhores viagens que já fizemos, e onde melhor comemos, foi a do México. Fomos em 2015 e, embora o tempo não tenha sido o melhor (uma semana de chuva foi dose), foi uma viagem que nos marcou: pela cultura, pelas pessoas e pela comida…ai a comida! Tendo ficado num hotel com Tudo Incluído tínhamos muita comida à discrição, mas a nossa alimentação foi feita apenas de comida mexicana: burritos, tacos, quesadillas, chilli, pico de gallo, guacamole, nachos, entre tantos outros! Só de pensar fico com água na boca.

A cozinha mexicana é milenar, baseada em pratos confecionados com milho e feijão e influenciada pela colonização espanhola. Está inscrita desde 2010 como Património Cultural Intangível da Humanidade, pela UNESCO. Esta distinção merecida, que eu reitero, percebe-se muito bem: embora eu não aprecie muito a parte picante, adoro a comida e os seus contrastes. Gosto mesmo muito de um bom chilli, intenso e levemente picante, acompanhado por nachos crocantes e guacamole, que o tornam mais fresco. Adoro a fusão da carne e dos coentros servidos nos tacos e servir com pico de gallo ou juntar tudo num burrito e ao comer sentir todos os sabores ao mesmo tempo.

Ainda hoje, em dias de muito calor, o cheiro da humidade do ar, da maresia e da areia molhada, o vento quente na pele fazem-me lembrar sempre esta comida e ter vontade de repetir. Sentar-me num bar de uma praia qualquer com mar azul-turquesa, pedir uma marguerita fresca e acompanhar com estes pratos deliciosos. Ficou com vontade de experimentar?

Autor: Dália Cavaco

8 – A COMIDA VIETNAMITA, PELA PRIMEIRA VEZ

Encorajado em seguir uma grande aventura, dei por mim a 11261 quilómetros longe de casa, no Vietname, com o primeiro ataque de fome. Estava sozinho, preso entre grandes prédios com aspeto de estarem abandonados, numa rua onde cabiam duas pessoas, e diante de mim tinha um mercado como nunca vi na vida. Indignado, pensei: “O que raio vou eu comer aqui?”.

À medida que circulava, ficava cada vez mais pasmado. Os feirantes vendiam os seus produtos em baldes gigantes pousados numa rudimentar bancada de madeira. De repente, via motas passarem por mim, naquela que era uma rua onde apenas cabiam duas pessoas, e a admiração pelo mercado aumentava. Estava com fome e com medo de ser atropelado. No meio de todo o caos parecia haver alguma organização. Primeiro, surgiram as verduras, depois a fruta, o peixe e a carne. Continuei. Cheirava a comida crua, mexida pelas mãos sujas dos trabalhadores, a dióxido de carbono queimado, resultante da combustão dos combustíveis dos veículos, o barulho era imenso e mais eram as pessoas. Contudo, as cores não acabavam. Havia o rosa da dragon fruit, o amarelo do ananás, o verde dos vegetais, o cinzento do peixe e dei por mim tentado a experimentar alguma coisa, ainda que sem saber o quê. Sentei-me na bancada em que confiei mais, pedi o menu com um inglês baralhado e requisitei a famosa pho vietnamita. Estava num banquinho a 20 centímetros do chão e a comer com pauzinhos pela primeira vez. A lima trouxe a acidez necessária, o picante não foi demasiado, apercebendo-me que o inglês foi explícito, no caldo estava macrobiota característica da comida de rua, o beef, a couve e os noodles deram o nome ao prato. Ah! E claro, a folha de hortelã… Que arrombamento! Que experiência gastronómica fantástica, não podia ter sido melhor!

Acabei por conseguir deliciar-me sem me sentir sozinho, sem medo de ser atropelado, sem cheirar a poluição vinda da combustão dos combustíveis dos veículos, numa rua onde cabiam milhares de pessoas e onde ouvia o barulho dos passarinhos. Esta refeição teve a capacidade de me levar para outro lugar. Hoje, relembro com saudade o paladar da experiência, daquela que foi a primeira vez da comida vietnamita.

Autor: Pedro Rocha

9 – A COMIDA É MENSAGEIRA DE DEUS

Durante nove anos frequentei um colégio de freiras! Se me perguntarem quais são as principais memórias que guardo desse tempo, posso falar sobre o grande impacto que teve o primeiro dia de aulas. E depois posso falar sobre a comida. Ninguém pode imaginar o suplício que foi almoçar lá todos os dias. A tortura começava por volta do meio-dia. Estava na sala da professora Agripina a aprender a arte da escrita ou da leitura e muito subtilmente aquele odor impunha-se a tudo o resto. Era o canto da sereia a encantar o pobre marinheiro antes de o matar, só que neste caso eu era o marinheiro que mais tarde teria que almoçar a origem da enganadora fragância.

Todo o menu era horripilante, sendo que a pior iguaria era o “pastelão”. Tinha forma retangular e era amarelo. Sei que tinha ovo, batata e bastante óleo a fazer de molho. Ao lado, a solitária folha de alface parecia a mais. Imaginei muitas vezes o que aconteceria se atirasse aquilo contra uma parede. Acreditava secretamente que ficaria lá petrificado. Rapidamente percebi que todas as quartas-feiras tinha que enfrentar o pastelão, de modo que tentei convencer a madre responsável pelo refeitório a deixar-me comer só a alface. Mas a noiva do Senhor já tinha o coração contaminado pelo cheiro da cantina e não se deixou levar pelo meu olhar doce.

Um dia, farto das lamentações da sua magricela filha, o meu pai permitiu-me almoçar em casa da minha melhor amiga Sheila, de origem indiana. E deu-se o milagre! Assim que entrei na casa dela, logo aquele perfume das especiarias invadiu os meus sentidos e comi pela primeira vez uma chamuça. Foi um manjar! Consigo recordar o som estaladiço daquele triângulo dourado entre os meus dentes. Ainda estava morna e picava um pouco na língua. Tão saborosa. Tinha bastantes legumes e um gosto distinto, diferente de tudo o que degustara até então. E nesse dia, sem ainda o saber, aprendi uma das leis do Universo. Depois de um grande pastelão, espreita sempre uma grande bênção.

Autor: Sara A.

10 – COMER CONSENTIDO

Sempre achei mais estimulante cozinhar salgados. Todos os sentidos são despertados, especialmente o olfato. O odor das especiarias, das ervas aromáticas, tem o poder de nos fazer viajar, tanto para um país distante, como para uma cidade que visitamos, ou para uma memória. Muitas recordações de lugares estão associadas a comida. Boas e más. Todos estes 5 sentidos e obviamente o 6.º são essenciais para cozinhar e para comer. Duas coisas que eu adoro, que me dão imenso prazer e que até me relaxam.

Há um prato, com apenas 8 ingredientes, que me desperta todos os sentidos: ameijoas à bulhão pato. Ameijoas, a proteína com sabor a mar que lembra o verão e que é uma pequena surpresa deliciosa escondida na sua concha, alho, essa planta tão polémica, que muitos adoram e outros detestam, mas que é parte indispensável da comida portuguesa, azeite, o nosso néctar de ouro que acrescenta o brilho da sua gordura preciosa, vinho branco, a frescura das uvas e do álcool que nos inebria; sal e pimenta estimulam as sensações e elevam o lado emocionante do prato, sem eles, tudo seria insípido, coentros, uma erva aromática controversa, que nos remete para os sabores alentejanos, fresca mas intensa e que contrasta com a textura da ameijoa e por fim o limão, o remate final de acidez.

Este prato não é elegante, mas é irresistível pois liberta um aroma inebriante que nos dá a sensação premente de provar e usar todos os sentidos. Comemos com as mãos, ficamos com os dedos irresistivelmente sujos. Usamos o pão para não desperdiçar o molho delicioso, fazemos barulhos constrangedores ao sugar a ameijoa da sua concha e devagarinho vamos identificando todos os ingredientes com a companhia naturalmente indispensável de um bom vinho branco muito fresco
Vamos provar? Lembra-te, utiliza todos os teus sentidos e disfruta.

Autor: Liliana Sousa

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