No Alentejo, entre Cuba e Vidigueira, de forma a dar a conhecer uma tradição milenar, a Herdade do Rocim mantém a produção de vinhos em talhas. Tem diversas referências de néctares, produzidos dessa forma ancestral, sendo que alguns estagiam mais ou menos tempo nas peças de barro, feitas à mão. Conheça o Amphora Wine Tour.
De forma a manter essa tradição bem viva, a Herdade do Rocim promove provas dos seus vinhos, alguns dos quais feitos com parcerias, e por isso é-lhe tão fácil sugerir o Amphora Wine Tour pelos vários produtores da região. São muitos, mas fui visitar o Gerações da Talha e o Adega-Museu Cella Vinaria Antiqua – apenas dois de vários exemplos que existem na Vidigueira.
PROCESSO DO VINHO DE TALHA
O Vinho de Talha é um produto que faz parte da cultura vínica alentejana. Depois da vindima, nas adegas, as uvas são desengaçadas (separadas do cacho/engaço), esmagadas e colocadas nas talhas de barro. Aquando da fermentação é formada uma camada, obrigando ao que se chama de “mexer as talhas” ou remontagem, ou seja, com um pedaço de madeira que obrigaessa camada a ir para baixo. Para evitar o rebentamento da talha, é preciso fazer isso uma a duas vezes, ao dia.
Depois de fermentado o vinho, as partes sólidas caem e formam o que se chama de “a mãe”. O vinho fica a estagiar durante meses e a “mãe” vai servir de filtro natural, sendo que é por lá que o vinho sai, já meio filtrado, pronto a ser consumido ou engarrafado.
AMPHORA WINE TOUR DA HERDADE DO ROCIM
O Amphora Wine Tour (actividade que pode fazer, terá de marcar na Herdade do Rocim) é uma extensão do já conhecido evento “Amphora Wine Day” e o objectivo é, tal como no evento, dar a conhecer a tradição milenar de produção de vinho de talha.
Ao lado do já muito conhecido restaurante O País das Uvas, em Vila de Frades, está uma das maiores descobertas relacionadas com os vinhos de talha.
E estima-se que este tipo de produção de vinho tenha vindo cá parar há mais de 2 mil anos, trazida pelos romanos. Todos os anos, nesta região, o Dia de S. Martinho é o dia de deixar correr os vinhos das talhas. Uma grande festa! Servido antigamente como vinho de “inverno”, o vinho de talha era por isso consumido mais na época fria, mais ou menos até fevereiro/março. A partir daqui começavam a engarrafar o vinho.
O vinho de talha já era servido no restaurante País das Uvas (e mesmo na taberna que aqui antes existiu) mas, em 2018, decidiram alargar o espaço e, ao lado, começaram as obras. Até que… as escavações encontraram arcadas e um chão que remonta para uma adega com séculos de história: assim surge a Adega-Museu Cella Vinaria Antiqua.
São seis os hectares de vinho que fazem nascer os vinhos Honrado e o Talha. Desde sempre o proprietário do País das Uvas (senhor Honrado) fez este vinho. Uma tradição que mantém desde criança, com o avô, como se pode ver pelas fotografias que ali estão expostas.
O restaurante País das Uvas acabou por crescer pouco, porque o local descoberto foi tornado um espaço museológico, como há poucos. As talhas centenárias lá estão, assim como o poço e canal de água e estima-se que, apesar de só haver registos de 1800, seja mais antigo, isto é, poderá ter sido construído por volta de 1600, tal como a Igreja de Vila de Frades.
Antes de existir o restaurante País das Uvas, há 25 anos, aqui existia uma das muitas tabernas que proliferavam – e ainda existem algumas – onde os homens iam depois do trabalho, para conviver, cantar uma moda alentejana e comer pão, queijo e beber vinho.
Na verdade, aqui quase toda a gente tem vinhas… ainda que em pequena quantidade, quase todos fazem o seu próprio vinho. Com o surgimento de o País das Uvas, o vinho passou a ser servido com comida caseira e pratos da gastronomia típica alentejana. É um dos restaurantes de referência no Alentejo.
“Aqui, todos nos conhecemos e por isso chamamos a toda a gente primo”, explicam-me. Vem da tradição esta “magia” do vinho de talha, que é trabalhado de forma natural e espontânea. Na garrafa pode só durar quatro anos, dependendo da prova do vinho e da experiência que foi feita.
Atualmente, o vinho da melhor talha vai para a edição especial TALHA (foto acima), com 1533 garrafas. Elegem a melhor talha e só fazem branco e tinto. O vinho de gama vem da junção de várias talhas. No início, a produção era só para o restaurante mas como tinham cada vez mais clientes, tiveram necessidade de aumentar. Agora, têm uma produção de 15 mil garrafas por ano.
E o nome do restaurante? O País das Uvas era o nome do livro do escritor Fialho de Almeida, que nasceu nesta terra.
Ainda em Vila de Frades, fui conhecer também o Gerações da Talha através da Teresa Caeiro que, com o marido, João Rocha são as caras deste projeto. Tudo vem das raízes alentejanas de Teresa. Lembra-se de, ainda em pequena, fazer vinho com o avô e as talhas eram o mais usual. Traz-lhe à memória o convívio, as famílias e os vizinhos todos juntos em celebração, principalmente no dia de Sao Martinho.
Quando lá cheguei, em meados de julho, estavam a fazer a lavagem das talhas, para que em setembro, depois da vindima, possam acolher os futuros vinhos. Têm diversas talhas e a mais antiga está datada de 1700 e pouco.
Com 27 anos, Teresa é engenheira de minas e geologia de formação, mas o vinho teve outro chamamento e fez um curso de viticultura em Évora. O primeiro engarrafamento foi feito em 2019 e a empresa já tem presença nos mercados de exportação, como Bélgica e Coreia do Sul.
No Gerações da Talha também têm atividades de enoturismo, com provas e visitas. Têm os 50 hectares de vinhas do avô e o casal acrescentou-lhes mais 3 hectares. Só a adega tem 250 anos de história, e já o bisavô era grande produtor de vinhos de talha. O avô não é da terra, mas apaixonou-se por uma alentejana e agarrou esta paixão do vinho com mãos e unhas – apear de a sua profissão ter sido a de professor.
Como homenagem ainda em vida, ao avô, criaram o vinho Professor Arlindo, mas também têm o Farrapo (como homenagem aos habitantes locais, chamados de “farrapeiros”) e o NaTalha que tem um rótulo que traz uma interpretação muito pessoal de Teresa. “Estava grávida da Leonor e senti esses sentimentos que estão escritos no rótulo: a alegria, a homenagem à vida. E compara o que o vinho cria, “a mãe” do vinho, ao amor que a talha tem pelo vinho e que os pais têm pelos filhos. Profundo e intenso!
Para fazer as provas no Gerações da Talha terá de marcar com antecedência. Mas fique também atento à agenda porque poderão ter eventos, ou poderá organizar lá a sua própria festa: tem DJ e provas na esplanada! Inovação e tradição estão de mãos dadas neste projeto que também vai fazer novas parcerias com outros produtores… no centro estará sempre esta paixão pelo vinho de talha.
INFORMAÇÕES
Herdade do Rocim
Estrada Nacional 387 Apartado 64, 7940-909 Cuba | Alentejo, Portugal
Telefone: +351 284 415 180
Marcações pelo: enoturismo@herdadedorocim.com
Loja online
– Preços sob consulta.
O programa do Amphora Wine Tour é abrangente: os visitantes acedem ao mundo dos vinhos de talha enquanto apreciam a gastronomia alentejana. Das provas de vinhos, às harmonizações com os menus vínicos às buchas alentejanas, ou com as tábuas alentejanas, às experiências nas vinhas, às atividades para grupos, a atividade lançada esta estação pela Herdade do Rocim tem valores que oscilam entre os 95€ e os 125€ por pessoa, dependendo do número de participantes, as marcações podem ser feitas através de: enoturismo@herdadedorocim.com
Pedro Ribeiro, enólogo e diretor geral da Herdade do Rocim, adianta que “estando na região com maior tradição do vinho de talha em Portugal, na Vidigueira, onde se produz este vinho há mais de 2.000 anos, acreditámos que faz todo o sentido organizar eventos que celebrem o uso de ânforas. Acreditamos que há aqui um extraordinário potencial para dar ao mundo do vinho e os números têm-nos mostrado isso mesmo”.
A Herdade do Rocim, localizada entre a Vidigueira e Cuba, no Baixo Alentejo, em Portugal, com cerca de 120 hectares, dos quais 70 são de vinha e 10 de olival, cultivo em regime biológico e com grande parte certificado, vende anualmente 1 milhão de garrafas, entre Portugal e mais 39 países.
Hoje, os vinhos Mariana, Olho de Mocho, Herdade do Rocim, Grande Rocim e Vale da Mata estão em 39 países, da Alemanha aos Estados Unidos da América, passando pelo Brasil e por Angola, assim como Suíça, Bélgica, Japão, entre outros.