O rio Guadiana é presença constante na paisagem de Alcoutim, vila do interior do Algarve. As margens verdejantes, a vista para Espanha, tudo se avista a partir do seu castelo altaneiro. A história do contrabando teve aqui uma importância muito grande e isso uniu as duas margens do rio, a portuguesa e a espanhola.
A Rota do Contrabando é algo que continua a ser relembrado e, todos os anos, há um festival que traz essas memórias que dividiam a vila: os que contrabandeavam e os que tentavam impedir os contrabandistas. Junto ao rio, existem diversas estátuas que recordam esses tempos nesta parte do vale do Baixo Guadiana. Num dos dias da minha visita, pude fazer um passeio muito bonito pelo rio acima.
No centro da vila, recomendo que comece a visita pelo castelo. Quando lá estive estavam a construir um “túnel” totalmente feito com cana, um produto local que tem deixado de ter quem o trabalhe. Mas, por outro lado, descobrem-se novas utilizações para um material que as margens do rio fornecem em largo número.
Dentro do Castelo vai descobrir também o Núcleo Museológico de Arqueologia. Depois é só subir até à muralha para ter a melhor vista da vila. Junto ao rio, há agora (desde 2020) uma nova atração: uma lontra feita de desperdicios e lixo pelo artista Bordalo II. É mais um ponto para bonitas fotografias em Alcoutim (fica no cais sul).
Do outro lado do rio, em Espanha, está Sanlucar de Guadiana. E há um barco que faz a passagem para o outro lado do Guadiana. Dizem que é de onde se tem a melhor vista para Alcoutim. E a história do contrabando liga as duas margens e terras. As políticas (e ditaduras) de ambos os países impediam que muitos produtos chegassem a estas terras e, contaram-me, que do lado português havia uma fiscalização em cada monte (uns 20 do lado português e um do lado espanhol). Todas as casernas da Guarda Fiscal se avistavam umas às outras para denunciarem os infractores que atravessavam o rio com mercadorias. Alguns não sobreviviam a essa passagem, devido às correntes do rio, e outros (muitos) iam presos. Do lado de Espanha, no entanto, atiravam para matar, se suspeitassem de contrabandistas a sair da água.
Junto ao rio, uma antiga casinha da Guarda Fiscal ainda está lá plantada e a avistar a estátua do contrabandista. Curiosidade também contada por habitantes: pode parecer que o contrabandista está a sair da água, mas não. Está a entrar às arrecuas, para que, se fosse apanhado, não soubessem se estava a chegar ou a partir. Outra nota é que levavam roupa à cabeça, para chegarem “secos” ao outro lado.
Uns metros à frente, está uma outra estátua, de um Guarda Fiscal a mirar, atento, o rio. Aquando da minha visita, apesar da pandemia, conseguiram fazer um evento do Festival Fronteira que recorda precisamente essa história contrabandista, através de artes. O espectáculo, por causa da pandemia, teve apenas alguns espectadores mas tinha transmissão direta no Facebook. Normalmente o Festival Fronteira acontece no mês de março. O tema deste ano “Fronteira – A Palavra em Chamas” pela Companhia Artelier, que aconteceu no cais da vila.
Ah! Se olharem para o lado espanhol vão ver uns cabos que passam por cima do Guadiana. Pergunto se é um miradouro. Dizem-me que é o maior slide entre dois países – só funciona no verão – e percorrerem-se 800 metros por cima do ria Guadiana.
A PR 15 passa a Rota do Contrabando e passa em muitos postos da antiga Guarda Fiscal: alguns foram remodelados e outros ficaram ao abandono. Há quem faça o percurso de barco para cima e depois venha a pé, pelo percurso pedestre, até Alcoutim. O passeio de barco, como já vos tinha dito, é muito bonito de se fazer – fiz com a Fun River. Há um antiga mina (Puerto La Lage), agora abandonada, do lado espanhol, que tem uma arquitetura incrível. Vêem-se ainda os buracos por onde saíam os minérios diretamente para os barcos, que os transportavam. O barco dá a volta na ribeira do Vascal, que é tida como uma “fronteira” entre o Algarve e o Alentejo.
A CANA NA TRADIÇÃO DE ALCOUTIM
Quando cheguei ao castelo a construção do túnel, feita de cana, estava já muito avançada. Chamaram-lhe o Túnel do Contrabando para estar associado à história local. Mas, por si só, o trabalho da cana que ali está é incrível. As pessoas que ajudaram, na construção (além de arquitetos no projeto) estiveram a aprender a trabalhar a cana, desde o princípio – quando se vai apanhar a cana no rio – até ao trabalhar da mesma e as suas aplicações.
PATRIMÓNIO QUE PODE VISITAR EM ALCOUTIM
– Castelo
– Muralha do século XVII
– Ermida Nossa Senhora da Conceição
– Igreja da Misericórdia
– Igreja Matriz de S. Salvador
– Casa Baluarte
– Capela de Santo António
– Casa dos Condes de Alcoutim (onde está a biblioteca municipal)
– Antiga Alfândega
– Escadaria Barroca
No cimo de um outro monte está o Castelo Velho. E para provar a ocupação romana destas terras existe a Villa Romana do Montinho das Laranjeiras.
ONDE DORMIR EM ALCOUTIM
Em Alcoutim, no Algarve, apenas o Guadiana separa as terras portuguesas das espanholas. Com vista para esse rio, está o Hotel D’Alcoutim. A poucos minutos do centro da vila, este alojamento tem uma piscina exterior e um restaurante onde são servidos os pequenos-almoços e refeições simples. Leia mais.
ONDE COMER EM ALCOUTIM
Na vila de Alcoutim, pode encontrar alguns restaurantes a servirem a gastronomia tradicional algarvia, com mais ligação à serra e ao rio. Fui experimentar o Camané (na Praça da República, bloco A loja 33, Alcoutim), onde se pode provar pratos tradicionais como o javali estufado, o ensopado de borrego com pão frito, a perdiz à algarvia, açorda de galinha, coelho frito e o cozido de grão, entre muitos outros. À sobremesa, não esquecer de provar a torta de laranja, ou a de amêndoa e ainda a de alfarroba.
Mas aconselharam-me também o Sítio do Costume, Beira Rio, Bar da Praia (Tass Bem) e a Taberna do Ramos.
E por falar em comida, vou- falar-vos também uma das atividades que fiz em Alcoutim, ao encontro das suas tradições e gastronomia: fui apanhar espargos selvagens. É com a empresa Quimeras Sortidas que se podem fazer passeios por locais desconhecidos de Alcoutim e ter um contacto direto com o seu património paisagístico. Com o Rui Romba fui apanhar os espargos selvagens e, pelo caminho, deu-me a conhecer muitas outras plantas que conhece e identifica como poucos conseguem.
Ainda falando em comida, fui conhecer uma empresa que trabalha o porco preto: Feito no Zambujal, produz produtos de enchidos e presuntos e derivados nos animais que nascem e crescem, em liberdade, no monte do Zambujal. Obrigatória a passagem e a paragem lá para comprar os produtos, que também poderemos encontrar em inúmeros restaurantes e hotéis.
Também a história do Feito no Zambujal é de um “filho” da terra que já trabalhou na banca, no litoral algarvio, mas o chamamento do campo, e deste lado rural, foi maior. Onde tudo é verde e muito natural, a vida é mais tranquila, mais leve… Rui Jerónimo trocou a banca pelos cinco hectares de terra onde se passeiam os porcos pretos. São cerca de 90 animais, no total, e aqui é tudo biológico. Tive a sorte de provar de tudo um pouco, na cozinha do espaço, com ovos caseiros, os espargos apanhados naquele dia e ficará na memória o chouriço assado, com mel e vinagre, na sertã. Uma delícia, assim como o presunto.
TRADIÇÕES DE ALCOUTIM
Outra atividade, que fiz em Alcoutim, foi com o pastor Nuno Coelho. Pode-se fazer um programa de um dia com ele, nos campos a passear as ovelhas e a fazer um piquenique. Lisboeta de gema, Nuno, de 47 anos, tem a raiz algarvia através dos pais e veio para a região com a ideia de montar uma queijaria, com o leite da cabra algarvia. Esse projeto ainda não conseguiu levar adiante, mas conseguiu dinamizar os passeios e piqueniques. Os clientes são sobretudo estrangeiros que procuram uma maior conexão com a terra e com um lado mais rural do Algarve.
Passeamos pelo monte Corte da Seda, com as cabras que conhece pelo nome. A Maluca, que acha que é cão, a Orelha, a Luci, a Macaquinha… enfim, uma série delas, que levamos a pastar. Durante o passeio é servido um piquenique, com o estender da toalha no chão e com produtos locais, desde o queijo fresco, às compotas, azeitonas, frutos secos, azeite, pão e vinho. Levem calçado confortável e aproveitem o ar livre.