Avião Latam, aeroporto de Calama, Chile © Viaje Comigo
Publicado em Março 27, 2020

Como consegui sair do Chile e chegar a Portugal, no meio da pandemia da Covid-19

Américas/ Chile

De todas as experiências, boas ou más na vida, temos de tirar lições e ensinamentos. Se eu, como jornalista e blogger de viagens, passei pela experiência de tentar sair do Chile e vir para Portugal, no meio da pandemia da Covid-19 e com fronteiras encerradas, tenho de passar essa informação a todos os outros viajantes. E, como sempre, o Viaje Comigo está aqui para ajudar todos. Agora, mais do que nunca.

Como consegui  sair o Chile e chegar a portugal no meio da pandemia da Covid-19? Com sorte… muita sorte! Estou em quarentena (voluntária) há nove dias, na minha casa, no Porto, e todos os dias tenho tentado pegar neste relato que fui escrevendo entre voos… mas não tinha estado com muita vontade de voltar a “reviver” tudo isto. Durante vários dias não dormi, não comia direito – e temi que isso me fosse pôr doente mais rapidamente – mas era impossível fazer um dia normal com tanto a passar-se, quer fosse da minha situação, quer fosse de outros, que tentei sempre ajudar.

San Pedro Atacama - rua Caracoles vazia - Chile © Viaje Comigo

San Pedro Atacama – rua Caracoles quase vazia – Chile © Viaje Comigo

No dia 17 de março, estava eu em San Pedro de Atacama, quando o Chile anunciou (assim como outros países vizinhos) que ia encerrar as suas fronteiras. A Covid-19 tinha chegado em força à America do Sul e tudo iria mudar daí para a frente. Só para vos enquadrar na situação: o Viaje Comigo é o meu emprego e, por isso, viajar faz parte do meu trabalho. Quando parti para o Chile, haviam uns cinco casos de Covid-19 e todos concentrados em Santiago. Ainda hoje, dia em que vos escrevo, não existem casos no Atacama. Em Portugal, a situação estava a ficar pior, por isso, considerei que o melhor seria não cancelar a viagem e fui no dia 9 de março. Então, como vos dizia, estava em trabalho no Chile, com a empresa Fui Gostei Trips, dando a conhecer os seus tours e a programar uma viagem, para 2021, com um grupo do Viaje Comigo. A minha viagem iria passar pelo deserto do Atacama, Salar de Uyuni (na Bolívia) e Santiago, com tours que iam sair do centro da capital. O sentimento de segurança era tanto no Atacama que ponderei em cancelar a ida para Santiago e manter-me no deserto ou ir até à Patagónia, até que, com o encerramento das fronteiras, tudo mudou.

Na segunda-feira, dia 16 de março, estava eu no Chile há uma semana, chego ao centro de San Pedro de Atacama, quando uma senhora entra numa loja, transtornada, a dizer “vão fechar as fronteiras”. Na verdade, vinha já com os olhos marejados e a tentar teclar a ligar para a filha. Saio para a rua e encontro o grupo de brasileiros, com quem tinha voltado de um tour, e recebemos todos, assim, a notícia. A primeira informação é que nós próprios íamos ficar “fechados” no Chile, mas poucos minutos depois percebemos que era só para quem chegava de novo e que nós teríamos tempo de sair.
Eu ia no dia seguinte para a Bolívia e, nesse mesmo minuto, caiu-me a ficha: já não vou poder ir para a Bolívia. Sendo um tour de quatro dias, os meus voos eram do Chile e, por isso, já não ia conseguir entrar de novo.
Fui para o meu hostel e tentei ligar para a Latam, a tentar perceber se poderia antecipar o meu voo. Só ia voar para capital dia 21 de março e claro que toda a gente estava a fazer o mesmo. Ninguém atendia na companhia, tentei online e o formulário que enviei com as questões, nunca (até hoje) foi respondido. Naquele mesmo dia pensei em ficar no Atacama. O meu telefone tocava incessantemente: amigos e família a dizerem que tinha de voltar, outros a passarem informações incorretas sobre o enceramento das fronteiras… a cabeça quase que explode com tanta informação e por ter de decidir naquele momento o que fazer.

San Pedro Atacama - rua Caracoles vazia - Chile © Viaje Comigo

San Pedro Atacama – rua Caracoles vazia – Chile © Viaje Comigo

Pensei em ficar no Atacama durante a quarentena. Pensei, sim. Não há casos no Atacama, ainda hoje, e se se mantivessem abertos os parques, daria para trabalhar, mas o meu lado racional sabia que iam fechar tudo. Que o país ia tentar – e bem! – travar o vírus enquanto podia, para não colapsar o sistema de saúde. E, no dia seguinte, tudo no Atacama começou a fechar. Tinha casa onde ficar, podia estar a trabalhar online lá, o que estou a fazer cá, mas… um grande MAS: em Portugal eu tenho os “meus” por perto e isso é TUDO em momentos tão conturbados.

Li que na Bolívia alguns turistas foram impedidos de entrar no hospital, porque tinham medo que eles espalhassem o vírus. Sendo que podiam ter ido ao Hospital só porque comeram algo estragado, partido um dedo… não é propriamente necessário irmos ao hospital só por causa do Covid-19, certo? Saio para a rua e começo a ver que os locais começam a olhar para os turistas de lado, como se fôssemos nós os causadores desta desgraça toda.
Ouço, de novo, histórias. Uma espanhola, a viver no Chile há muitos meses, foi quase insultada pelos seus vizinhos que lhe diziam que devia voltar para a Europa.
Ou seja, a América do Sul rápido se tornou um lugar mais árido para os turistas do que o Deserto do Atacama. Assim, como o mundo inteiro fez com os italianos e com os chineses, certo? Curiosamente, alguns dos primeiros casos do Chile eram de chilenos que tinham estado em Itália.

Depois de horas a tentar perceber o que ia fazer, já tendo dito a todos que se calhar ia ficar no Chile e ia até a Patagónia, comecei a perceber que estava tudo a parar, como transportes, comércio. Tudo! Apercebi-me que se calhar seria mais um dia ou dois e não ia ter sequer voos para a Europa. Depois de uma volta no centro, a falar com alguns lojistas, vi que estava na altura de me fazer ao aeroporto. A Latam continuava sem me atender/responder. Fiz as malas, despedi-me do pessoal do hostel e disse “não sei se é um adeus ou se regresso, porque não sei se vou ter voo”. E foram as últimas pessoas que abracei nos últimos tempos…

Fui no transfer para Calama, o aeroporto do Atacama. E ao falar com o motorista, que me perguntou onde ia e o que fazia ali, contei-lhe que trabalhava em turismo e que estava a ir “às cegas” para o aeroporto.
– Então, se não conseguires voo, tens de voltar para San Pedro e pagar outro transfer?
Disse-lhe que sim, que não sabia se ia ter sorte. Virou-se para mim e disse:
– Se não tiveres voo, vens comigo que te dou boleia. Eu vivo lá e levo-te. Não me custa nada.
Agradeço-lhe do fundo do coração. Desejou-me sorte a mim e ao casal que vinha também para a Europa e dá-me o seu cartão profissional com o contacto.

Entro no aeroporto de Calama e estava muita gente, mas sem grande alarido.

Nunca pensei ter de dizer isto a alguém mas saiu-me: “olá, boa tarde, o meu voo é daqui a alguns dias mas tem de me arranjar um lugar o mais rápido possível, antes que eu não tenha voos para regressar a Portugal”.
No balcão do check-in, separada por uma fita para evitar contágio, a funcionária mal olhava para mim. Não lhe via a cara toda, porque a máscara tapava grande parte do rosto, e mal a conseguia ouvir. Só lhe vi os olhos, que perceberam a minha falta de esperança de conseguir sair do deserto. Continuava a dizer-me:
– Só estamos a tratar dos voos das próximas 48 horas, os restantes têm de ser pelo telefone.
Nota: eu teria voo dia 21 de março e fui para o aeroporto dia 17 de março. E queria antecipar o voo precisamente com a mesma companhia aérea.

– Acho que não me entendeu (era a terceira vez que lhe explicava e de facto a máscara impedia a comunicação) mas estou a ligar para a Latam há 24h e ninguém atende.
Teimou comigo que não, que não me ia arranjar lugar. E pediu-me para sair da fila. Ali, fiquei com ar incrédulo a perguntar-lhe se ia ficar presa em San Pedro de Atacama, porque não tinha lugares nos próximos voos.

– Tem de esperar e se houver lugar chamo-a, mas pode não haver. Há centenas de pessoas na sua situação, sabe? Existe uma lista.
– Eu sei e não lhe estou a pedir para me colocar à frente de ninguém. Se há uma lista, mostre-ma, por favor, coloque o meu nome lá e diga-me em que lugar da lista estou. Tenho de gerir isso, gerir as minhas expetativas. Eu tenho de fazer tudo o que posso para chegar a Santiago, só aí tenho a hipótese de conseguir chegar à Europa.

Olhou para mim de novo, com a máscara a apertar-lhe as bochechas. Quando lhe ia dizer que sabia que pelo menos cinco brasileiros, que eu conheci em Atacama, conseguiram mudar ali, na hora, o voo para Santiago, mesmo antes de usar essa cartada, levanta-se para falar com a chefe. Olham ambas para mim e a chefe acena a cabeça. Volta ao seu lugar e pede-me os dados da reserva. Teclou, teclou e deu-me um lugar no voo que ia sair dali a uns 40 minutos. Tive de passar à frente de toda a gente na fila da segurança.

Resumindo, escrevo-vos a partir dos lugares da Executiva do voo para Santiago. Colocaram-me na primeira classe onde há 15 lugares livres. Repito: 15 Lugares livres!!!! Olho para trás e vejo muitos mais lugares livres na Económica. Ou seja, compensa ser-se chata, pois podemos apanhar profissionais que não entendem a verdadeira questão e que depois de meterem a mão na consciência lá fazem o seu trabalho e trocam os bilhetes.

Lugares vazios no voo Atacama - Santiago © Viaje Comigo

Lugares vazios no voo Atacama – Santiago © Viaje Comigo

Voo Calama - Santiago do Chile © Viaje Comigo

Voo Calama – Santiago do Chile © Viaje Comigo

Mas a parte hilariante disto era que eu era a pendura neste voo. Ou seja, estavam ali pessoas que tinham pago o upgrade e iam em Executiva e tinham direito a comida e bebida. Os de Económica tinham apenas direito a água. Por mim, tudo bem. Nem tinha fome nem sede, mas a situação foi cómica. Pois o senhor ao meu lado teve o serviço de Executiva por cima de mim! Passavam a comida e a bebida, por cima de mim, para o servirem. Hi-la-ri-an-te!

Estou a caminho de Santiago do Chile sem saber se vou ter voo para Madrid. E como vou de Madrid para o Porto, se não há voos entre os dois países? Penso nisso depois. Um passo de cada vez. Um minuto de cada vez. Percebi eu, nestes últimos dias, que não dá para fazer grandes planos, de nada.

Falam dos profissionais de saúde, mas toda a gente que trabalha na aviação coloca também a sua saúde em risco para nos trazer a casa. Sabem quantas pessoas desesperadas lhes berram e com muitos perdigotos à mistura? Aprendi também que não há gente preparada para qualquer tipo de cenário de crise, nos aeroportos. Não precisava de ser um vírus. Podia ter sido um golpe de Estado, uma revolução, o início de uma guerra. Só algumas companhias conseguiram trabalhar de forma profissional e ao nível da emergência, nestes últimos tempos.

Fila da Latam - aeroporto Santiago do Chile © Viaje Comigo

Fila da Latam (ninguém mantinha a distância de 1m a 1,5m…) – aeroporto Santiago do Chile © Viaje Comigo

Chego a Santiago do Chile e vou novamente ao balcão da Latam. Mas, antes, – visto que, mal aterrei e liguei o telefone, caíram dezenas de mensagens – saí do avião e esqueci-me da minha mochila. Nunca antes me tinha acontecido! Computador lá dentro, máquina fotográfica, etc. Só me lembro quando estou a recolher a mala. Mais um minutinhos de nervoso porque a mochila não aparecia e pronto… apareceu! A cabeça já estava com muita coisa ao mesmo tempo.
Espero cerca de uma hora, nos balcões da Latam, e começo a ver quando me poderiam encaixar num voo, para Madrid. “Amanhã não há e depois também não, só dia 20”. Aceitei de imediato e percebi, pelas mensagens que recebi, que tive sorte em conseguir um lugar. Mas a verdadeira questão é que, à medida que o tempo passava, mais eu percebia que podia chegar a dia 20 e não existir qualquer tipo de voo para a Europa.

Mando mensagens para vários contactos e começo a ver quais as possibilidades que tinha. Tinha de sobreaviso amigos em São Paulo, Rio de Janeiro, Madrid e Vigo, para me darem guarida caso ficasse presa nestas cidades. Alguns hotéis estão a fechar as portas e, por isso, a expulsar os estrangeiros que procuram airbnbs para ficar – irónico não é? – outros simplesmente não os deixam fazer o check-in. Tenho de me precaver… mas como? Por estes dias, já servia eu de ligação entre a Embaixada do Chile e muitos outros viajantes. O meu papel, como jornalista e bloggers de viagens, de repente intensificou-se e eu tinha de ajudar quem pudesse. Pelo Instagram e WhatsApp eram dezenas de mensagens de outras pessoas na mesma situação que eu. Como podia ajudá-los? Passando a minha experiência. E foi aí que comecei a publicar no Instagram todos os passos que dava, a tentar arranjar uma forma mais célere de sair do Chile.

Quero agradecer ao Francisco, ao Filipe e à Glória que me deixaram ficar na sua casa, em Santiago do Chile, no meio de um “Estado de Catástrofe”, assustados mas que me receberam como se fosse família. Eternamente grata! Jantei com eles e contavam-me como, a cada minuto, tudo ia mudando. Dormi (pouco, mas dormi) e acordei com a ideia que tinha de fazer mais do que esperar somente pelo voo de dia 20. Aqui, era dia 18 de março. Num dos muitos contactos e mensagens “conheci” outros portugueses que iam viajar naquele mesmo dia para Espanha. Note-se que, entretanto, Espanha e Portugal já não tinham voos entre si, as fronteiras estavam fechadas mas nenhum de nós estava preocupado com isso. Só queríamos chegar a Espanha e depois víamos como chegar a casa. Nem que fosse a pé, dizíamos.

Chile a decretar o Estado de Catástrofe durante 90 dias, no dia 18 de março 2020 © Viaje Comigo

Chile a decretar o Estado de Catástrofe durante 90 dias, no dia 18 de março 2020 © Viaje Comigo

Avião Latam, aeroporto de Calama, Chile © Viaje Comigo

Avião Latam, aeroporto de Calama, Chile © Viaje Comigo

Foi então que, à conversa com Ana e o André, que iam viajar nesse dia para Barcelona, soube da história de duas espanholas que tinham conseguido antecipar o voo. Basicamente, isso “beliscou-me” a alma e foi aí que decidi ir para o aeroporto dois dias mais cedo. Tomei um banho – lembro-me de ter dito “não sei quanto tempo vou andar entre aeroportos e aviões” – e saí sem poder abraçar, em jeito de despedida, à família que me tinha acolhido por uma noite.
Voltei a dizer o mesmo que tinha dito em Atacama “não sei se é adeus ou até já, mas tenho de tentar regressar quanto antes à Europa”. Dei boleia à Ana e ao André, que andavam a viajar há sete meses pela América do Sul e tinham ficado noivos. Eu ia tentar entrar no voo deles mas, antes, decidi manter o meu próprio voo, só que antecipá-lo mediante a disponibilidade de lugares. Apanhámos muito trânsito e saí disparada para o balcão da Latam, com a Ana a dizer já ao longe “Boa sorte”.

Cheguei ao balcão, já com o check-in a fechar, e perguntei se havia lugares livres para Madrid no próximo voo que era dali a menos de 1h. Na verdade, disse-lhe assim:
– Olá! Tenho voo para dia 20 e sei que me vai dizer que não tem lugares disponíveis neste voo mas, por favor, o check in está mesmo a fechar e há passageiros que de certeza que não fizeram o check-in e já não vêm.
– Sim, eu posso fazer isso, mas devias ter vindo mais cedo.
– Desculpe, apanhei muito trânsito…
– Só tens essa mochila e essa mala de mão?
– Sim, mas a mala de mão está com mais de 10Kg…
– Não interessa!
Pede-me o passaporte e pega no telefone e diz:
– Vou enviar mais uma passageira, leva só mala de mão e mochila, para esse voo. Esperem por ela.
Só aqui eu já tinha vontade de a beijar, mas só sorri quando me passou o bilhete para as mãos. Só aí acreditei.
Entrega o bilhete e diz-me:
– Corre, que a tua porta de embarque é longe!

Disse-me algo que não prestei atenção (muita coisa na cabeça ao mesmo tempo) e as indicações para onde tinha de ir. Começo a correr para as portas de embarque e começo a perguntar-me “ela disse direita ou esquerda??”.
Vi escrito “portas de embarque”, corri mais um pouco e fiquei com fraqueza, porque eram quase 20h e só tinha feito um pequeno-almoço tardio. Páro e corro novamente e chego a um ponto de segurança.

Nunca, mas nunca mais (!!!) me lembrei que ia sair do país e que tinha de passar o controlo de passaportes. Uma fila com 20 pessoas. Devo ter olhado para eles com aquele olhar de desespero, porque me perguntaram logo “estás com pressa? Podes passar!”.
Disse que sim e agradeci. Passo por baixo das cintas elásticas e a mulher polícia pergunta-me… “agradeceste-lhes?”. Olho de novo para a fila e agradeço em inglês e espanhol. “muito obrigada e desculpem, mas consegui mudar o meu voo e vou conseguir ir para a Europa”. Nessa altura, riram-se e alguém me disse “so run girl, run!!!”.

A mulher polícia olhou para o passaporte, fez o seu trabalho enquanto lhe explicava, de forma ofegante, que não me tinha atrasado para o voo – ela tinha no olhar aquele julgamento de “viesses mais cedo” – mas que tive de esperar o check in estar fechado para saber se tinha lugar no voo. E tive. Olhou-me de novo nos olhos e carimbou.

Dou um passo para o lado e está outra mulher-segurança. Digo-lhe: “o meu voo sai daqui a pouco, ajuda-me a passar estas malas? O que tenho de tirar, líquidos? O computador?”
– Nada. Põe tudo aí e passamos.
Foi a garrafa de água e tudo, amigos. Não tive de tirar nada das malas. Pergunto novamente para onde são as portas de embarque e diz-me que tenho de descer e ir… pela direita ou esquerda?? Torno a esquecer-me porque o meu cérebro, além de cansado, só me dizia “não acredito que vou conseguir voar dois dias antes”.
Depois percebi que tinha entrado pelo Premium Boarding e, por isso, é que só estava uma fila de 20 pessoas a passar a segurança!

Chego cá abaixo e nem olho para lado nenhum. Pergunto onde é a porta C6 e um rapaz olha para a hora do voo no meu bilhete e dispara as indicações: sempre em frente e depois à esquerda. Vai a correr que ainda são uns 10 minutos.

Voo de Santiago - Madrid © Viaje Comigo

Voo de Santiago – Madrid © Viaje Comigo

Corri, corri, corri e quase me faltou o ar. A mochila estava a pesar mais de 6 kg e a mala de mão mais de 10kg, mais uma camisola e um casacão nos braços. Juro-vos que nem sei como não me deu uma coisinha, o que significa que afinal ainda estou em forma.
A respirar que nem uma louca começo a ver a porta C6 ao longe e olho e vejo “Frankfurt” escrito! Momento de desespero durante uns 2 segundos para pensar “que estúpida, vim para a porta errada!!!”.
E depois mais acima vejo “Frankfurt, via Madrid”… quase fiquei emocionada. Dei o bilhete e entrei.

Na verdade, sou uma otimista mas moderada, vá! Porque me acontece tanta coisa em viagem que espero sempre que o avião arranque, para ter a certeza que vou mesmo voar. Traumas de quem já perdeu um voo, ou de quem estava para aterrar e à última hora tornou a levantar, de quem já se esqueceram no aeroporto…

Mas, nada disso interessa agora. Estava no voo para Madrid sem saber como ia chegar a Portugal. Fronteiras encerradas – claro que eu sendo portuguesa posso entrar – sem voos de ligação, comboio também parado, autocarros com serviços mínimos e poucos carros para alugar. A ver vamos…

No avião da Latam para Madrid © Viaje Comigo

No avião da Latam para Madrid © Viaje Comigo

Escrevi-vos este texto já no ar e ao olhar para Santiago, cidade que não consegui conhecer, deu-me uma dorzinha na alma. Como é que isto está a acontecer?! Devia estar agora no Salar de Uyuni e viria conhecer esta cidade. Que sentimento estranho, este. Esta deveria ser uma viagem com que sempre sonhei e, de facto, agora que penso nisso, nunca a esquecerei. Ahahaha! Neste momento percebi a minha sorte e só queria dizer a todos: “os meus sentimentos para todos os que estão a perder os seus entes queridos nesta pandemia”.

Equipa de limpeza no aeroporto de Barajas Madrid © Viaje Comigo

Equipa de limpeza no aeroporto de Barajas Madrid © Viaje Comigo

Cheguei a Madrid e afinal o pior da viagem estava reservado aí. Pensei que a melhor opção seria ficar o mais perto possível de Portugal, portanto tentei com a Iberia mudar o meu voo para Vigo ou Santiago de Compostela. Para Vigo diziam que não havia lugares (outra vez o mesmo filme e não estava ali gente suficiente para encher um voo para Vigo) e para Santiago de Compostela era a pior opção, porque ia chegar à noite, ia ter de ficar lá a dormir, e depois alugar carro até Portugal.
Depois de estar meia hora numa fila, onde disseram que devíamos ficar, depois mudo para outra fila, onde berram a toda a gente: a mulheres com bebés, que têm de ficar na fila como as outras pessoas – não acho normal isto, desculpem – a tratarem as pessoas da low cost como se fosse passageiros de segunda, a dizerem que não são obrigadas a assegurar voo nenhum, etc.

Eu sei que as pessoas que trabalham nos aeroportos estavam sobre uma pressão gigantesca – já normalmente estão, diga-se a verdade – mas a empresa sabia que éramos todos estrangeiros a tentar voltar para o seu país e não facilitava nada.
– Se tens voo para Santiago não te posso mudar para Vigo.
– Então há lugares no de Vigo?
– Não adianta dizer-te isso, porque a Latam emitiu-te o bilhete para Santiago.
– Pois emitiu o bilhete para Santiago e disse para vir aqui falar convosco para me mudarem para Vigo, porque eles não conseguiam.
– Não posso fazer isso. Depois a empresa vai-me perguntar porque eu mudei sem mais nem menos.
– Não é sem mais nem menos… não sei se já percebeu, mas eu vou para Portugal e não há voos para lá e estou a tentar usar o vosso voo, que já está pago, para chegar o mais perto possível. Ou seja, vou usar um voo que nem me leva a casa, percebe, portanto até vos ajudo. Se não o usar, vão ter de me dar dinheiro.
A conversa tornou-se infrutífera. Afirmou que já me tinha respondido e que não podia fazer mais nada.
E, portanto, eu que nem tinha dormido muito no voo, perdi uns bons anos de vida a falar com ela e toda a paciência que me restava também se esfumou. Desisti do voo e fui alugar um carro para chegar a casa.

Viagem para Madrid © Viaje Comigo

Viagem para Madrid © Viaje Comigo

Desço para o aluguer de automóveis, em Barajas, e apenas duas empresas estavam a funcionar. Ouço falar em português. Éramos 4, mas um de nós – porque tinha carro pago pela empresa – decidiu fingir não perceber que podíamos todos partilhar o veículo. Até que ouço o casal – o Bruno e a Ana – a dizerem que vão para o Porto. Falei com eles e dividimos o carro. Caíram do céu e agradeço-lhes imenso a disponibilidade e simpatia em me deixarem partilhar a viagem com eles.

Fomos por Vilar Formoso, onde a polícia nem pegou nos nossos passaportes – viemos com máscaras e desinfectamos o carro – e só perguntaram se éramos portugueses. Sim? Podem entrar e bom regresso a casa. Soou tão bem ouvir aquilo!
Passadas pouco mais de 2 horas estava em casa e nem acreditava que estava aqui. Aliás, demorei alguns dias a ambientar-me. Tinha pesadelos todas as noites e ficava acordada sem saber onde estava. Agora, é bola para a frente. Todo o Viaje Comigo está a ser adaptado. Enquanto não houver viagens, o meu papel de jornalista está mais ativo do que nunca e estou aqui para ajudar de outras formas.

Ao contrário do que muitos possam pensar, partilhei esta “aventura” de chegar a Portugal não para me queixar, mas para ajudar outras pessoas na minha situação. Raras vezes este é um blog que mostra a minha vida. Mostra as minhas viagens, que são o meu emprego. Ao partilhar a minha experiência ajudei pessoas nos aeroportos e noutros países a tentarem a sua sorte. Alguns não conseguiram e até hoje continuam retidos nos destinos. É que, entretanto, recebi mensagens – a destilarem ódios – a dizer que devíamos ficar em casa porque já se sabia que iam fechar as fronteiras de todos os países da América do Sul. A sério? Os próprios países não viam perigos e eu ia adivinhar isso como? A Bolívia não tinha nenhum caso e falava-se que chegaria mais rapidamente a África do que à América do Sul. Resumindo, as pessoas com o medo viram bichos: perdem a empatia, criam xenofobias e racismos. Lembrem-se que estamos todos aqui para nos ajudarmos uns aos outros. Os julgamentos são para tribunais.

No aeroporto de Barajas Madrid © Viaje Comigo

No aeroporto de Barajas Madrid © Viaje Comigo

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