Coreia do Norte © Hugo Martins
Publicado em Junho 8, 2021

Coreia do Norte, por Hugo Martins

Ásia/ Coreia do Norte

De julho de 2018 até janeiro 2020 viveu na China, e foi visitar a Coreia do Norte. Hugo Martins, português de passaporte, cidadão do mundo – já deu dicas, aqui no Viaje Comigo, sobre o Tibete – e, tal como no outro texto, repito que fico sempre deliciada em ler as suas histórias de viagem. Esta, pedi-lhe para partilhar aqui, no Viaje Comigo, assim como as suas fotografias, porque acho verdadeiramente útil para quem quer visitar a Coreia do Norte.

Kim II-Sung e Kim Jog-II, Coreia do Norte © Hugo Martins

Kim II-Sung e Kim Jog-II, Coreia do Norte © Hugo Martins

Já sigo as viagens do Hugo Martins há muitos anos! É que, nisto das viagens, seguimos sempre quem nos inspira e nos faz dar mais um passo no sonho de viver disto. Disto, de quê? Das viagens. Não vos quero enganar, isto é uma “doença”. Mas uma das boas… e que nem pára durante a pandemia. Ou parou, só um pouco.

Correr o mundo já não nos satisfaz. Queremos sentir o mundo, viver o mundo, sentir as pessoas, viver naquela vila, cidade, país… viver a cultura, trabalhar lá, perceber como são através da sua História, etc. Seja em Portugal, ou noutra parte do mundo! Assim é o Hugo Martins, que vai vivendo pelo mundo, enquanto trabalha como professor.

Coreia do Norte © Hugo Martins

Coreia do Norte © Hugo Martins

Torre Juche - Coreia do Norte © Hugo Martins

Torre Juche – Coreia do Norte © Hugo Martins

Na viagem à Coreia do Norte, diz-nos Hugo, “Fui viajar no tempo, fui tentar ver o que os outros contam. Foi talvez a viagem mais cara que fiz mas também uma das mais marcantes sem dúvida”.

Aqui, fica o relato relativo a janeiro de 2020:

“Dia 11 de Janeiro de 2020 saí de casa na província de Jiangxi na China para ir à Coreia do Norte e ainda não voltei (a casa).

Segue abaixo o que escrevi uns dias depois.

Estive apenas duas noites na Coreia do Norte, o suficiente para ver o que queria. Já me perguntaram diversas vezes como consegui o visto, foi o visto mais fácil de conseguir, tão fácil quanto caro.

Como sabem não se pode visitar a Coreia do Norte de forma independente, tem de ser uma agência a organizar tudo, assim foi. A diferença foi que não fui em grupo, fui sozinho com a minha namorada.

Em Dandong, ainda do lado chinês encontrei-me com um representante da agência que me passou os bilhetes de comboio para Pyongyang no dia seguinte. Oito horas depois de sair da China chegámos a Pyongyang, duas horas e meia na imigração norte-coreana e quase seis de comboio para percorrer os “longos” 140 kms. Se na China há comboios que se movem a mais de 300 km/h na Coreia do Norte a “alta velocidade” acontece a 30 km/h.

Chegados a Pyongyang dois guias à nossa espera, à porta da nossa carruagem.

Coreia do Norte © Hugo Martins

Coreia do Norte © Hugo Martins

Dois guias e um motorista para duas pessoas, parece muito mas na Coreia do Norte é assim.
Os dois guias, com um inglês impecável, foram uma excelente companhia nos dias que lá passámos.
Leio muitos comentários em grupos de viagens quando alguém publica algo sobre a Coreia do Norte a dizer “eu não daria dinheiro a esses malvados ou terroristas” ou ainda “vais lá mas só te mostram o que eles querem”.

Quanto à primeira frase, o dinheiro é meu dou a quem quiser, portanto quanto a questões morais estamos conversados.

Em relação à segunda frase “vês o que eles querem”. Não podia ser mais verdade, mas o que é certo é que nunca vi turistas na Cova da Moura.

Introdução feita vamos ao que interessa.

Coreia do Norte © Hugo Martins

Coreia do Norte © Hugo Martins

Monumentos dos Fundadores, Coreia do Norte © Hugo Martins

Monumentos dos Fundadores, Coreia do Norte © Hugo Martins

A Coreia do Norte, governada segundo a ideologia Juche, é um dos países mais fechados do mundo. Esta ideologia considerada uma variante do Marxismo Leninismo adaptou algumas características do socialismo stalinista à realidade norte coreana. Traduzindo a palavra Juche temos auto-suficiência.

E é assim que o país funciona, tentando ser auto-suficiente, isolado do exterior. A ideologia também contempla idolatrar o líder, neste momento Kim Jong un. O avô do líder e Pai da Nação é também idolatrado e considerado líder póstumo.

Torre Juche, Coreia do Norte © Hugo Martins

Torre Juche, Coreia do Norte © Hugo Martins

Pyongyang, Coreia do Norte © Hugo Martins

Pyongyang, Coreia do Norte © Hugo Martins

Vou agora relatar o que vi, o que me foi mostrado.

Passando a fronteira começa uma viagem no tempo, campos agrícolas de um lado e do outro, queimados do gelo, de dez graus negativos. Agricultura manual, não vi uma máquina, vi exércitos de trabalhadores, centenas a fazer o trabalho que uma pessoa faz no mundo maquinizado.

Crianças a esquiar em patins artesanalmente construídos em madeira a divertirem-se nos lagos congelados, adultos a acenar ao comboio talvez dando as boas vindas aos turistas que, neste caso, éramos nós os dois e seis ou sete chineses que me pareceram ir lá em trabalho.

Nestas aldeias, até chegar a Pyongyang, não vi estradas asfaltadas nem carros, vi bicicletas antigas, vi senhoras de idade avançada com baldes aos ombros junto a poços em busca de água.

Chegados a Pyongyang já com a noite presente vi ruas escuras sem iluminação, só as partes centrais têm luz, depois pensei: para que precisam de luz se há recolher obrigatório e ninguém pode andar na rua à noite.

No dia seguinte, o único dia completo na cidade, começámos a jornada cedo, a cidade está repleta de monumentos de propaganda, enormes monstros de pedra de estilo soviético, estátuas gigantescas dos líderes e muitos militares na rua. Eu diria que metade das pessoas que vi eram militares, a maioria miúdos de 18 ou 19 anos, que pareciam ter 15.

Praca Kim II Sung, Coreia do Norte © Hugo Martins

Praca Kim II Sung, Coreia do Norte © Hugo Martins

Entre as curiosidades do que vi lá destaco, por exemplo, a ausência de comércio, vi duas ou três lojas abertas, uma mercearia com maçãs, cenouras e alfaces para venda. Tive a oportunidade de ir a um dos poucos supermercados da cidade, troquei dinheiro chinês por coreano e fiz umas compras, snacks embalados. Tudo pertence ao Estado.

A habitação é pobre e mal conservada. Penso como será possível viver naquelas casas com temperaturas de 15 graus negativos? As casas são construídas pelo Estado e ninguém paga renda.

Monumento a Revolução coreana, Coreia do Norte © Hugo Martins

Monumento a Revolução coreana, Coreia do Norte © Hugo Martins

Arco do Triunfo, Coreia do Norte © Hugo Martins

Arco do Triunfo, Coreia do Norte © Hugo Martins

Habitação, saúde e educação são 100% grátis. A minha curiosidade ia crescendo e fazia perguntas aos guias usando o bom senso e sem deixá-los desconfortáveis. Iam respondendo a tudo sem problemas. Os salários são muito baixos mas temos tudo pago, diziam.

Foi uma viagem no tempo! Nunca vivi nada assim acredito que nem os meus pais viveram nada assim, talvez seja um Portugal de há 100 anos.

Um dos locais que visitei foi a Sala de Estudo, um edifício que em Portugal seria chamado de Biblioteca Municipal. Edifício bonito e em bom estado mas o que destaco é que na Era da Informação há uma sala para quem quiser ir ouvir música, uma espécie de discos pedidos.

Sala de Estudo, Coreia do Norte © Hugo Martins

Sala de Estudo, Coreia do Norte © Hugo Martins

Depois há mesas com computadores e com rádios caso a música pedida esteja em cassete. Segundo os guias, 3.000 pessoas visitam o espaço diariamente, há música e livros em salas distintas para serem ouvidas e lidos no local.

O local que mais curiosidade tinha era o Metro. É o mais profundo do mundo, bonito mas sem deslumbrar como o de Moscovo. As carruagens foram importadas da RDA há muitos anos, são muito velhas como podem imaginar. O que mais me impressionou foi ver estacas com os jornais do dia e pessoas a ler as últimas notícias do país enquanto esperam pelo metro. Há cerca de 25 jornais diferentes na Coreia do Norte.

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

Nos restaurantes onde comemos não nos apercebemos que são restaurantes, não há nada a indicar, entramos para um edifício subimos um ou dois andares entramos numa sala e estão uma ou duas empregadas de mesa a trazer a comida não sabemos de onde.

Já fui diversas vezes a restaurantes como estes na China, mas também há dos outros. A comida era boa, todas as refeições que comemos estavam boas, gostei mais do que gosto da comida na China.

Hotel Ryugyong, Coreia do Norte © Hugo Martins

Hotel Ryugyong, Coreia do Norte © Hugo Martins

Penso que a maioria daquelas pessoas, com quem me cruzei, não conhecem outra realidade. Os homens andam vestidos de igual. Facilmente percebi que num país isolado do exterior deve haver apenas uma fábrica a produzir casacos e calças iguais para todos.

As senhoras têm quase todas o mesmo corte de cabelo, lembram-se dos vídeos da senhora das notícias? Pois os cabelos são quase todos assim.

Mais tarde, visitei o Museu da Guerra da Coreia, excelente museu embora eu não seja adepto de factos ligados a guerra. Na parte exterior do museu estão expostos os troféus do regime, ou seja, artefactos de guerra capturados ao inimigo, destaca-se o navio americano USS Pueblo onde entrei.

A guia do museu falava com uma devoção que nunca vi. Nem o mais fanático adepto de um clube de futebol em Portugal é tão devoto como aquela senhora era ao seu país. No seu inglês posh descreveu, como pôde, os actos heróicos do Pai da Nação, na defesa das fronteiras durante a guerra, numa altura em que o armistício foi quase assinado.

Navio USS Pueblo, Coreia do Norte © Hugo Martins

Navio USS Pueblo, Coreia do Norte © Hugo Martins

Não fui à Coreia do Norte ver monumentos ou à procura de coisas bonitas. Para isso basta ir à Suíça ou à Áustria. Fui viajar no tempo, fui tentar ver o que os outros contam. Foi talvez a viagem mais cara que fiz mas também uma das mais marcantes sem dúvida.

Gostei muito de visitar o país onde idolatrar o líder é o desporto nacional e a participação é obrigatória.

Coreia do Norte © Hugo Martins

Coreia do Norte © Hugo Martins

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

Estação de metro, Coreia do Norte © Hugo Martins

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