A propósito do Festival Explorer 3.0, e como jornalista de viagens, fui explorar a Aldeia Histórica de Trancoso. Pensem nas Aldeias Históricas de Portugal… são 12 e… quais conhecem? Sabiam que esta área de Portugal era uma das mais estratégicas defensivamente e foi uma das mais importantes na formação de Portugal? A sua importância estratégica pode ser vista a partir das suas construções defensivas como as muralhas e castelos, que conseguiram manter-se de pé durante muitos séculos. O Castelo de Trancoso é um desses monumentos espetaculares.
Fui convidada para participar no Festival Explorer Diaries – Talks, que decorreu no Auditório do Pavilhão Multiusos de Trancoso, no dia 4 de novembro de 2017. A ideia do evento, que decorre até inícios de dezembro noutras aldeias históricas, é “explorar as viagens e experiências de vida enraizadas nas memórias e tradições”. Eu fui convidada para falar das viagens e do Viaje Comigo e comigo esteve o “Big Wave Surfer”, Hugo Vau. Foi uma ótima conversa, com as perguntas pertinentes da Catarina Rocha e que contou também com algumas explicações de Dalila Dias, responsável no projeto das Aldeias Históricas.
O evento decorreu no mesmo local onde estava a acontecer a Feira da Castanha de Trancoso. Além de ter várias bancas com a venda de castanhas – e também assadas sempre a saírem, claro! – tinha outros produtos da região, como as amêndoas, os cogumelos, maçãs, as sardinhas doces, as cavacas, as bolas de carne e os pães de azeite… enfim, um sem fim de motivos saborosos para ser visitada. Além disso teve uma programação paralela, com música popular portuguesa e showcookings, onde se reinventaram os paladares de outono.
Depois do evento, aproveitei depois para ficar a conhecer Trancoso. Na verdade, não me recordava se já tinha passado por por este local. Pelo menos, não com esta visão de jornalista de viagens, certamente, porque não tenho fotografias desta cidade que é uma das 12 Aldeias Históricas de Portugal. Puxando mais um pouco pela cabeça, mesmo nunca tendo publicado nada delas – porque já as visitei há muuuuuitos anos – já conheço as aldeias históricas de Marialva, Piódão, Monsanto, Almeida, Castelo Rodrigo e Belmonte… Mas já foi há tanto e só de passagem que quero muito voltar. Apesar de um dia passar a correr e ser pouco para ver tudo e desfrutar do local, aproveitei este convite e fiquei em Trancoso por uma noite.
Fiquei instalada no Solar Sampaio e Melo que aconselho muito! Além de bonito (abriu só este ano ao público) e com bom pequeno-almoço está mesmo no centro, dentro da zona muralhada, por isso, pode parar o carro e conhecer tudo a pé.
A entrada no Castelo de Trancoso – construído entre os séculos VIII-XIX – é gratuita e o monumento está aberto todos os dias, menos à segunda-feira – verifique os horários* (no final do texto) que poderão ser diferentes nos dias da semana. E este deverá ser mesmo o melhor local para começar a visita ao centro histórico de Trancoso. Suba as escadas antigas para dar uma volta pela muralha do castelo e depois suba as escadas modernas que colocaram para que seja possível ter a vista do topo da torre de menagem. Vale a pena a subida dos três lanços de escadas!
Durante muito tempo, Trancoso foi terra de fronteira e, por isso mesmo, este castelo tinha uma extrema importância defensiva. Por essa razão, foi também palco de diversas batalhas marcantes que contribuíram para a independência do reino. A importância que teve vê-se também no facto de D. Afonso Henriques ter concedido a Trancoso a Carta de Foral e D. Afonso III a Carta de Feira.
Foi D. Dinis quem mandou construir as muralhas que ainda hoje permanecem e cercam um casario muito pitoresco. Aqui dentro, vai encontrar as marcas e histórias da antiga Judiaria, tanto em fachadas de casas, como no próprio Centro de Interpretação da Cultura Judaica, que fica mesmo em frente à Casa do Bandarra. Ora, Bandarra foi uma das mais importantes personagens da história portuguesa: profeta, poeta e… sapateiro. Os seus trabalhos de escrita influenciaram os pensamentos de Padre António Vieira e até Fernando Pessoa. Foi vítima da Inquisição, em 1541. O seu túmulo está na Igreja de S. Pedro, em Trancoso.
Um dos momentos altos da minha passagem por Trancoso, foi a visita guiada com Fernando Santos Costa. Escritor, historiador, cartunista e verdadeiro conhecedor da história portuguesa, Santos Costa fala desta terra com uma paixão desmedida. Fizemos um percurso que passou por diversas estátuas, todas elas mostrando lendas ou importantes momentos históricos locais. Fazer esse passeio guiado foi um prazer para todo o grupo que seguia a forma apaixonada e até cómica como Santos Costa nos falou de História. E a História portuguesa é cheia de momentos caricatos.
Começámos, então, a visita no castelo, descendo depois ao lado da sua muralha e explorando algumas das vetustas portas da fortificação. Se algumas já “caíram” – a modernidade tem destas coisas e, para entrar carros dentro do cerco muralhado, deitaram-se abaixo algumas das portas – mas outras mantêm-se com a sua história descrita ao lado.
Mesmo que não tenha a sorte de ter uma visita guiada como a nossa, pode ir seguindo essas placas que contam todas as histórias das portas. Passámos a Porta do Carvalho para espreitar a estátua da Lenda de João Tição, passando depois as Portas do Prado e o Boeirinho: considerado um postigo, dizem, mas que é uma porta pequenina, a única que existia na muralha e servia para ter uma entrada controlada das pessoas, sempre que as portas da cerca estivessem fechadas.
E se estávamos a fazer um passeio pelas estátuas de Trancoso, uma das mais importantes é sem dúvida a de Bandarra. O poeta, profeta e sapateiro de Trancoso, que viveu no século XVI e marcou toda a História com as suas profecias. “O Bandarra, símbolo eterno do que o povo pensa de Portugal”, frase de Fernando Pessoa que está junto da estátua. Por detrás de Bandarra está o edifício do Paços do Concelho.
Saímos pela porta grande da Rua da Corredoura, onde todas as casas são ocupadas, no rés-do-chão, por um espaço de comércio tradicional. Mas, não se deixem enganar pela pacatez durante a visita. Trancoso tem uma vila muralhada, faz parte das Aldeias Históricas de Portugal, mas é uma cidade com cerca de 3.500 mil habitantes. E é sede de um município com perto de 10 mil habitantes. É, portanto, uma das mais populosas entre as 12 Aldeias Históricas Portuguesas.
E mais à frente, junto do Pavilhão Multiusos, está a capela e duas estátuas que recordam a celebração das Bodas Reais. Todos os anos, em junho, é feita a recriação das bodas de casamento, daquela que viria a ser Rainha Santa, com o Rei trovador D. Dinis. Uns passos mais adiante, atravessando o Largo da Feira, estamos em frente ao Parque Municipal de Trancoso, datado de 1896, que tem uma pedra em forma de banco, onde dizem que Bandarra se sentava. O passeio no parque é obrigatório. É um espaço verde muito bonito.
A última das estátuas está do outro lado da rua: a Mofina Mendes que está implantada frente ao Convento dos Frades. O Auto de Mofina Mendes é de Gil Vicente e diz assim:
“Vou-me á feira de Trancoso
Logo; nome de Jesu,
E farei dinheiro grosso;
Do que este azeite render
Comprarei ovos de pata,
Que é a cousa mais barata,
Que eu de lá posso trazer.
E estes ovos chocarão;
Cada ovo dará um pato,
E cada pato um tostão,
Que passará de um milhão
E meio, a vender barato.
Casarei rica e honrada,
Por este ovo de pata,
E o dia que fôr casada
Sahirei ataviada
Com um brial de escarlata;
E diante o desposado
Que me estará namorando,
Virei de dentro bailando
Assi d’esta arte bailado
Esta cantiga cantando”.
Prometo, em breve, fazer uma descrição mais pormenorizada do que pode visitar e provar em Trancoso. Entretanto… boas viagens!
Para descobrir mais sobre Trancoso é deixar-se levar pelas suas ruas históricas, descobrir a gastronomia, meter conversa com as suas gentes (tão hospitaleiras!!) e explorar (além do já referido) a praça do Pelourinho, várias igrejas e espaços museológicos. Mais sobre o que visitar em Trancoso, aqui.
*Horários do Castelo
Encerra à segunda-feira, no domingo de Páscoa, 1º de Maio, 1 de novembro, 24 de dezembro, 25 de dezembro, tarde de 31 de dezembro e 1 de janeiro
Verão (1 de junho a 30 de setembro): terça-feira a domingo, 9h00-112h30 e 14h00-17h30 (encerra à segunda-feira)
Inverno (1 de outubro a 31 de maio): terça a sexta-feira, 9h00-12h30 e 14h00-17h30; sábado, 10h00-12h30 e 14h00-17h00; domingo e feriados: 10h00-12h30 e 14h00-16h30
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