Parque de Nara: onde veados sagrados, templos milenares e tradições japonesas se encontram
Viajar até Nara, no Japão, é mergulhar num mundo onde a espiritualidade caminha ao lado da natureza, onde os veados fazem vénias e os templos contam histórias de séculos. A poucos minutos de comboio de Kyoto (Quioto) ou Osaka, a antiga capital imperial oferece uma das experiências culturais mais completas do país. Neste guia, vais descobrir tudo o que podes visitar no Parque de Nara: desde os templos imperdíveis aos mochi mais lendários do Japão.


A história e a mística do Parque de Nara
Fundada no século VIII, Nara foi a primeira capital permanente do Japão. A cidade tornou-se o centro do poder político e religioso, onde nasceram algumas das tradições mais importantes do budismo japonês. O Parque de Nara, com mais de 500 hectares, é o coração espiritual da cidade. Aqui, entre árvores centenárias, lagos serenos e trilhos de pedra, vive um dos maiores símbolos da cidade: os veados sika.
Segundo a mitologia xintoísta, os veados são considerados mensageiros dos deuses. Diz a lenda que o deus mitológico Takemikazuchi-no-Mikoto chegou a Nara montado num veado branco vindo de Kashima. Desde então, estes animais passaram a ser venerados, protegidos por lei e tratados com enorme respeito. E essa reverência sente-se ainda hoje, quando se caminha entre dezenas de veados livres que convivem em harmonia com os visitantes.

Os veados de Nara: vénias, biscoitos e etiqueta
A imagem de um veado a fazer uma vénia a um turista é uma das mais icónicas do Japão. E não é montagem nem lenda urbana: os veados de Nara aprenderam a fazer vénias em troca de comida. É um comportamento aprendido pela repetição e incentivo, mas que se tornou tradição.
Para interagir com os veados, compra os shika-senbei, os biscoitos próprios vendidos em bancas autorizadas dentro do parque. Feitos com farelo e arroz, são seguros e saudáveis para os animais – até a tira de papel que envolve as bolachas é comestível, por isso não e admirem que eles queiram comer outros papéis que tenhas na mão! Não dês outro tipo de comidas! Só estas são autorizadas e são como um miminho que os visitantes dão aos veados.


Ao levantares o biscoito e baixares ligeiramente a cabeça, o veado responderá com uma vénia delicada. Mas atenção: não deves oferecer fruta, pão, doces ou outros alimentos, pois podem causar problemas de saúde graves aos animais. Também tem cuidado que eles começam a dar turras e algumas mordidelas para chamarem a atenção e porque querem mais bolachas. Quando isso acontecer, mostra as mão abertas e vazias e eles percebem que não tens nada… mas cheiram os biscoitos nos bolsos e malas! :D
Nota: durante o outono, os machos entram em época de acasalamento e podem tornar-se mais agitados. Para garantir a segurança de todos, é realizado um ritual tradicional em que se cortam os chifres dos veados mais agressivos, preservando a integridade da espécie e dos visitantes.


Os principais templos do Parque de Nara
O Parque de Nara alberga alguns dos mais antigos e importantes templos e santuários do Japão, muitos deles classificados como Património Mundial da UNESCO. A maioria pode ser visitada num único dia, com caminhada acessível, embora a riqueza cultural de cada um mereça tempo e atenção.
O mais impressionante é o Tōdai-ji, lar do Grande Buda de bronze — o Daibutsu — com 15 metros de altura. A estrutura que o abriga é considerada o maior templo de madeira do Mundo. Entrar no salão principal é sentir a grandiosidade espiritual do budismo japonês.
Outro templo a não perder é o Kōfuku-ji, originalmente fundado em 669 e reconstruído em Nara no século VIII. O seu pagode de cinco andares é um dos mais altos do Japão e é possível visitar o museu do templo para ver estátuas budistas de uma beleza singular.

Mais escondido entre os caminhos do parque está o Kasuga Taisha, um santuário xintoísta rodeado por milhares de lanternas de pedra e bronze. Durante os festivais de fevereiro e agosto, todas as lanternas são acesas, criando um ambiente mágico. No topo, a loja tem uns amuletos com pequenos veados (madeira ou cerâmica), que são muito bonitos. Aconselho a comprarem um destes amuletos muito fofinhos!
Este santuário é ainda especial por conter doze pequenos santuários auxiliares, dedicados às divindades guardiãs de cada mês do ano – aconselho principalmente a subirem ao de Fevereiro (descrevo mais abaixo neste texto), pois tem uma vista muito boa. Esta ligação ao ciclo lunar e à fertilidade da terra reforça a presença mística do local.


O templo no topo do monte: Nigatsu-dō
Para quem deseja subir um pouco e ver Nara de outro ângulo, vale a pena visitar o Nigatsu-dō, também conhecido como o “Salão do Segundo Mês” (o de Fevereiro, que falei mais acima). Situado numa encosta atrás do Tōdai-ji, este salão oferece uma das vistas panorâmicas mais bonitas da cidade. Em Março, é palco do famoso ritual budista Omizutori, que inclui procissões com tochas em chamas que purificam os pecados dos fiéis.
Ao lado do Nigatsu-dō, estão outros salões tradicionais como o Sangatsu-dō (Salão do Terceiro Mês) e o Shigatsu-dō (Salão do Quarto Mês). Antigamente, dizia-se que havia um salão por cada mês do ano, mas apenas estes três sobreviveram aos séculos e às catástrofes naturais (sobretudo sismos). Cada um tem a sua função espiritual e oferece uma perspetiva única sobre a religião e a arte japonesa.

O Monte Wakakusa e o festival do fogo
Mesmo ao lado do parque, o Monte Wakakusa ergue-se como uma colina verde com vista sobre Nara. Subir ao topo demora cerca de 30 a 40 minutos a pé, mas a vista compensa. Em janeiro, o monte é palco de um dos rituais mais antigos da cidade: o Wakakusa Yamayaki, quando toda a encosta é incendiada num evento de purificação coletiva. As chamas iluminam o céu noturno e atraem milhares de pessoas todos os anos.

As ruas comerciais de Nara: Higashimuki e Mochiidono
Após a visita espiritual e natural, é hora de conhecer o lado mais urbano de Nara. Perto da estação Kintetsu, começa a Sanjo-dori, a principal rua comercial da cidade. A partir daí, poderás explorar duas arcadas comerciais cobertas:
A primeira é a Higashimuki Shopping Arcade, onde encontrarás lojas de artesanato, lembranças, chá japonês, doces tradicionais e até lojas de vestuário e muita roupa (e meias!) com veados. É um ótimo local para comprar kakinoha-zushi, um tipo de sushi prensado envolto em folha de dióspiro, típico da região.

A segunda é a Mochiidono Shotengai, uma das ruas mais antigas de Nara. Aqui mistura-se o comércio tradicional com espaços criativos, cafés modernos e pequenas galerias. Há bancas de comida de rua, lojas de cerâmica, artigos religiosos e até pequenas livrarias com títulos raros sobre o Japão.


Nakatanidou: o mochi mais famoso do Japão
Nenhuma visita a Nara está completa sem passar pela Nakatanidou, uma pequena loja que se tornou viral pelas redes sociais e filas que entopem até o trânsito da rua onde está. Aqui, podes assistir ao vivo ao processo artesanal e impressionante de fabrico do yomogi-mochi.
Dois funcionários golpeiam a massa com martelos enormes de madeira num ritmo quase coreografado e com algumas vozes de comando. A rapidez e precisão são hipnotizantes. E até se torna um momento muito divertido!
O mochi é feito com arroz glutinoso e aromatizado com artemísia (yomogi), depois recheado com pasta doce de feijão azuki. É servido ainda morno, com um sabor suave e uma textura inigualável.
A loja fica na Sanjo-dori, e os mochis esgotam rapidamente, por isso, vale a pena ir cedo!

O que comer em Nara: sabores tradicionais e budistas
Além do mochi e do sushi prensado, Nara tem pratos que revelam a influência da dieta budista. Um dos mais tradicionais é o manyō-gayu, uma papa de arroz inspirada nos ingredientes da era Manyō (século VIII), servida com vegetais sazonais, pétalas de flores ou raízes locais.
Outro prato típico é o chagayu, papa de arroz cozida em chá verde. Leve, quente e nutritiva, era comum entre monges e ainda hoje é servida em muitos cafés tradicionais de Naramachi, que é o antigo bairro de comerciantes.

Quando visitar e como chegar a Nara
Nara está apenas a 45 minutos de comboio de Quioto ou Osaka, tornando-a ideal para uma visita de um dia. A linha Kintetsu é a mais conveniente, pois fica a curta distância a pé do parque.
A melhor época para visitar é a primavera (março a abril), durante a floração das cerejeiras, e o outono (outubro a novembro), quando o parque se cobre de tons dourados e vermelhos. Ambas as alturas são lindas!!!
O verão pode ser quente e húmido, e o inverno, embora frio, é calmo e com menos turistas.

Dicas finais para aproveitar Nara ao máximo
- Compra os biscoitos próprios (shika-senbei) para alimentar os veados de forma segura.
- Leva calçado confortável: vais caminhar bastante em trilhos e escadarias.
- Tira os sapatos para entrar em templos com chão em madeira ou tatami.
- Respeita o silêncio nos locais sagrados e não toques nas esculturas religiosas.
- Não comer enquanto caminhas nas arcadas comerciais: come junto dos locais onde compraste.
Nara é muito mais do que um simples desvio turístico no Japão. É um local onde o sagrado e o profano, o natural e o humano, o antigo e o atual se fundem de forma única. Entre veados que se curvam, mochi e templos milenares, a cidade oferece um dos momentos mais autênticos de qualquer viagem ao Japão.




