Um dia em Kingston: arte urbana, reggae e sabores da capital da Jamaica

Visitar Kingston, a capital da Jamaica, é mergulhar no coração da cultura jamaicana. A capital não tem o brilho turístico das praias de Montego Bay ou Negril, mas é aqui que se sente o dia a dia e a alma da ilha: a música que embalou o Mundo, a arte que transformou bairros inteiros e os sabores que fazem parte da identidade nacional.

Sendo que será sempre pouco tempo para conhecer uma capital, fui durante um dia a Kingston. Sempre é melhor do que nada! E, num dia, é possível viver intensamente Kingston, desde a energia das ruas de grafitis ao legado de Bob Marley, passando pelo gelado da Devon House, o sabor do jerk jamaicano e terminar com uma noite animada no Two Lane Bar.

Grafitis: da marginalidade à afirmação cultural

Downtown Kingston é hoje um museu a céu aberto. Mas nem sempre foi assim. Durante anos, muitos bairros da capital eram considerados inseguros e evitados por turistas. Foi precisamente nestas zonas que nasceram os primeiros murais de grafiti nos anos 90, como forma de resistência e de expressão cultural.

Inspirados pelo reggae e pelo dancehall, os grafitis começaram por carregar mensagens políticas, religiosas e sociais — críticas à pobreza, à violência e à exclusão. Aos poucos, o movimento ganhou força, artistas locais organizaram-se em coletivos e surgiram projetos de revitalização urbana.

Hoje, zonas como Parade Gardens, Fleet Street ou Tivoli Gardens exibem murais coloridos que contam a história da Jamaica, celebram figuras do reggae e reforçam o orgulho da identidade africana. Muitos viajantes já procuram tours específicos para conhecer estas obras, guiados por jovens artistas que cresceram nestes bairros. A transformação é evidente: onde antes havia medo, agora há cor, criatividade e esperança.

Emancipation Park: símbolo de liberdade

Depois da energia das ruas, o Emancipation Park, em New Kingston, é uma pausa necessária. Inaugurado em 2002, o parque celebra a libertação da escravatura e é um dos espaços públicos mais bonitos da cidade.

Logo à entrada, a escultura “Redemption Song”, da artista Laura Facey, impõe-se como símbolo nacional: duas figuras nuas, um homem e uma mulher, erguem os rostos ao céu, representando a emancipação e a dignidade reconquistada. Ao longo dos jardins tropicais encontram-se também outras pequenas esculturas que remetem para a herança africana e a força do povo jamaicano.

Entre palmeiras, caminhos bem cuidados e fontes de água, é comum ver moradores a correr, praticar ioga e alongamentos, ou simplesmente conversar à sombra. É um lugar de lazer, mas também de reflexão histórica.

Museu de Bob Marley: o templo do reggae

Nenhum roteiro por Kingston estaria completo sem visitar o Museu de Bob Marley, instalado na antiga residência do músico. O espaço preserva objetos pessoais, instrumentos, discos de ouro, fotografias e até roupas usadas em concertos.

O visitante percorre os quartos onde Marley viveu, entra no estúdio de gravação e caminha pelo quintal que recebia músicos e amigos. Um dos pontos mais marcantes é a sala que recorda o atentado de 1976: as marcas de bala ainda estão visíveis na parede, sendo o único local onde se pode fotografar.

Mais do que um museu, é uma viagem à história do reggae e ao impacto cultural e político que Marley teve no mundo. No final tem passagem pela loja do museu e uma galeria de arte, com quadros incríveis com a imagem de Marley, feita a partir de centenas de discos de vinil. Para conhecer melhor, leia este texto.

Mais informações no site oficial.

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Devon House: gelado e gastronomia

A meio do dia, a paragem obrigatória é a Devon House, mansão do século XIX construída por George Stiebel, o primeiro milionário negro da Jamaica. Além da imponência da propriedade, o espaço tornou-se mundialmente famoso pelo seu gelado Devon House I-Scream.

Eleito várias vezes entre os melhores do mundo, destaca-se pela textura cremosa e pelos sabores tropicais, como manga, guava, coco ou rum com passas. O sucesso começou nos anos 80 e hoje provar este gelado é quase um ritual.

No mesmo complexo existem restaurantes que servem o tradicional jerk jamaicano (onde fui comer e gostei muito!) — frango ou porco marinados em especiarias e assados lentamente sobre carvão. O sabor é picante, fumado e intenso, geralmente acompanhado de festival, um pão frito ligeiramente doce. É a verdadeira experiência gastronómica jamaicana, num ambiente seguro e acolhedor.

A beira-mar e o pulsar de Downtown

Após o almoço, um passeio até à beira-mar de Kingston revela uma perspetiva diferente. O Waterfront mistura edifícios modernos com barcos de pescadores, enquanto ao fundo se avistam as Blue Mountains. Quem tiver tempo pode estender a visita até Port Royal, outrora refúgio de piratas e hoje vila piscatória com forte histórico.

No final da tarde, Downtown Kingston ganha vida com os mercados de rua, especialmente o Coronation Market, repleto de frutas tropicais e especiarias. Aqui a energia é contagiante, mas é importante circular com alguma cautela, de preferência com guia ou em grupo.

Two Lane Bar: a noite jamaicana

E se o dia começou com grafitis e terminou com sabores, a noite merece fechar com música. Apesar de não ter conseguido ir, toda a gente aconselha o Two Lane Bar, que é um dos espaços mais autênticos para sentir a vida noturna de Kingston.

É conhecido por ter muita animação e pelas noites de reggae e dancehall ao vivo, que juntam locais e viajantes num ambiente descontraído. Serve cerveja Red Stripe, cocktails tropicais e, claro, os melhores runs jamaicanos.

Dizem que vale a pena pela música, pela energia vibrante e pelo contacto com a vida real da cidade. Muitos descrevem o Two Lane Bar como “a verdadeira Kingston em versão noturna”: simples, genuína e cheia de ritmo.

Artesanato e lembranças

Antes de regressar ao hotel, não deixe de visitar as lojas de artesanato local, onde artistas jamaicanos vendem esculturas em madeira, joalharia de contas, tecidos coloridos e pinturas. São peças únicas, perfeitas para levar um pedaço da Jamaica na bagagem.

Um dia em Kingston é uma viagem intensa por todas as camadas da cidade: das ruas de grafitis que nasceram como resistência, ao Emancipation Park que celebra a liberdade, passando pelo legado de Bob Marley e pelos sabores da Devon House. E, para quem fica até mais tarde, o Two Lane Bar é o lugar ideal para sentir a noite jamaicana.